Publicado originalmente na Agência Pública
POR CIRO BARROS
No fim de semana passado, durante a inauguração de duas escolas indígenas e um restaurante popular no município de Jenipapo dos Vieiras, a 500 quilômetros da capital maranhense, São Luís, o governador do estado, Flávio Dino (PCdoB) conversou com a Agência Pública a respeito da criação da FTVida, uma força-tarefa lançada pelo governo do Maranhão para acompanhar de maneira sistemática questões relacionadas à segurança dos povos indígenas.
A FTVida foi lançada pelo governo do estado após o assassinato de Paulo Paulino Guajajara, emboscado por madeireiros no último dia 1º de novembro no interior da Terra Indígena Arariboia, no sul do Maranhão. “Nós instituímos isso porque nós percebemos que, infelizmente, os povos indígenas estavam ficando com um encargo que ultrapassa as suas responsabilidades”, afirma Dino, que promete uma atuação efetiva de acompanhamento de situações de violência vivenciadas pelos povos indígenas.
Segundo a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), 13 indígenas morreram nos últimos anos no estado em conflitos agrários com madeireiros – e nenhuma morte foi esclarecida. Na entrevista, Dino criticou a falta de disposição ao diálogo do governo federal. “O governo federal, por sua visão ideológica, pratica uma política muito isolacionista e muito belicista”, avalia.
Agência Pública: Como vai funcionar a força-tarefa de proteção aos povos indígenas?
Flávio Dino: Quando nós assumimos o governo, fizemos algumas reuniões com as lideranças indígenas. Embora o núcleo da política indígena no Brasil seja federal – está no artigo 109 e no 231, são terras da União –, em 2016 já percebíamos que havia essa demanda e constituímos uma coordenação de políticas públicas indígenas para tratar daquilo que o Estado pode ajudar.
Nós chamamos de Coepi, que é a Coordenação Estadual dos Povos Indígenas. No ano passado, assinei um plano decenal que é fruto do trabalho da Coepi. Ou seja, nós temos um processo de aproximação do Estado a essa temática mesmo sabendo que nós não podemos substituir a ação federal.
Em seguida, passamos a examinar esse tema da segurança. Estabelecemos o seguinte: havendo solicitação formal dos órgãos federais, nós estabelecemos um acordo de participação. Por exemplo, combate a incêndios. Nesse momento, por exemplo, nós temos bombeiros e helicópteros nossos dentro das terras indígenas, mas por uma solicitação da Funai e do Ibama, que são órgãos federais.
Quando houve esse homicídio recente, dei um passo a mais: criamos uma força-tarefa permanente com um corpo de policiais militares, policiais civis e bombeiros com esse espírito de agir em parceria com os órgãos federais. Nós instituímos isso porque percebemos que, infelizmente, os povos indígenas estavam ficando com um encargo que ultrapassa as suas responsabilidades. Esse trabalho dos Guardiões [da Floresta] acabou ficando muito solitário por falta de uma articulação com os órgãos federais que são responsáveis por essa temática. Então, qual é o sentido do decreto: a força-tarefa vai ser instalada no [próximo] dia 18, já com o anúncio dos policiais que vão participar dela, e nós vamos comunicar os órgãos federais, vamos comunicar os povos indígenas e vamos fazer uma ação de integração com os Guardiões.
Nós não podemos entrar nas terras indígenas, mas podemos orientar os Guardiões, estabelecer um protocolo de comunicação com eles e ajudar como ajudamos nesse episódio [do assassinato de Paulo Paulino Guajajara]. Nós instauramos um inquérito policial e fizemos as primeiras investigações enquanto a Polícia Federal não instaurava o seu próprio inquérito, a proteção do indígena ferido [Laércio Guajajara].
O espírito do decreto é estreitar as relações com os órgãos federais, que nós esperamos que eles superem essa atitude distante que eles têm atualmente e, sobretudo, com os povos indígenas. Esse é o espírito da força-tarefa. Nós esperamos que isso resulte no fato de eles não se sentirem sozinhos. Mas eu queria sublinhar que não é uma coisa de agora. É um processo que começou em 2015.
AP: A situação de ameaça a eles é grave, temos 20 indígenas incluídos no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do Maranhão. Como tem sido o diálogo com o governo federal para enfrentar essa questão?
FD: Infelizmente, nessa temática e praticamente em todas as outras, não existe diálogo. O governo federal, por sua visão ideológica, pratica uma política muito isolacionista e muito belicista. De modo geral, e não só no governo do Maranhão, há um distanciamento em relação aos estados. Veja que eles lançaram uma proposta de pacto federativo que tem o estranhíssimo fator de que estados e municípios não foram ouvidos. Aqueles que serão chamados a pactuar não foram ouvidos, simplesmente.
De modo geral, e nessa crise agora desse homicídio, não houve nenhum tipo de busca de entendimento. Eu digo pela cúpula. Na base, sim. Nós atuamos junto com os servidores do Ibama, da Funai. Eles sabem disso. Em nível governamental mesmo, lamentavelmente não há uma preocupação com essa situação indígena.
AP: Desde 2016, 13 indígenas foram assassinados em decorrência de conflitos agrários no Maranhão. Há mortes que ocorreram, inclusive, fora das áreas indígenas e um longo histórico de impunidade relacionado a elas. Como o senhor pretende atuar para reduzir essa impunidade nos próximos anos?
FD: Se você olhar o decreto, você vai ver que tem um artigo em que criei uma espécie de coordenação única para esses inquéritos quando eles forem da Polícia Civil. É importante explicar: quando o objetivo do crime estiver relacionado a direitos indígenas, dentro ou fora do território, por exemplo, numa disputa de terra, ou num caso de etnocídio, a investigação sempre será de competência federal por força do artigo 109 da Constituição.
No caso de um crime comum, por assim dizer, como uma briga num bar ou alguma situação que não tenha nada a ver com os direitos indígenas, aí é competência estadual. Aí, o que eu fiz neste decreto? Uma coordenação de todos esses inquéritos. Porque o que acontece hoje? Eles tramitam em todas as delegacias nos municípios. Pelo decreto, cada inquérito instaurado que se refira a indígenas deve, obrigatoriamente, ter essa coordenação estadual – superando essa fragmentação, a gente vai ter um controle mais exato daquilo que acontece.
AP: Algumas ações dos Guardiões acontecem em conjunto com órgãos estaduais, como o Batalhão de Policiamento Ambiental da Polícia Militar. O senhor pretende aprofundar essas ações?
FD: Claro. O objetivo é exatamente esse. O que a FTVida propõe é que, em parceria com a Coepi, que é a representação dos povos, é tornar isso uma cooperação permanente. Ou seja, estreitar a parceria, sempre em função do governo federal, já que por questões legais não podemos agir sozinhos e a imensa maioria dos casos é competência federal. Mas nós queremos ter uma ação continuada, e não episódica.
AP: Recentemente, houve a reintegração de posse na comunidade do Cajueiro, na zona rural de São Luís. O senhor foi alvo de críticas por conta de uma atuação vista como truculenta da Polícia Militar. Diante desse episódio do assassinato do Paulino, como o senhor responde pelo governo do Maranhão sobre a relação com povos originários e comunidades tradicionais?
FD: No caso do Cajueiro, há um processo na Justiça que tramita há cinco anos, esse empreendimento foi atraído pro Maranhão antes de eu ser governante. É um empreendimento privado, num terreno privado. Há uma controvérsia judicial preexistente em torno do domínio da área. Nós acompanhamos isso a distância. O que eu podia fazer eu fiz no começo do governo: suspendi as licenças ambientais para que fosse feito um novo estudo. Foi feito esse novo estudo, e a secretaria entendeu que, partindo do pressuposto de que não há dúvida sobre a dominialidade, a licença ambiental deveria ser deferida.
No que se refere especificamente ao cumprimento da ação judicial, houve mediações por parte do governo do estado ao longo dos últimos quatro anos. A crítica que geralmente é feita a nós é ao contrário, que nós temos dificuldade de cumprir reintegração de posse. Eu propus a lei na Assembleia [Legislativa] criando uma instância de mediação, com a presença de movimentos sociais e outras organizações não governamentais, que faz a mediação no caso de reintegrações de posse. Esse itinerário todo foi percorrido. Ou seja, houve a ordem judicial, houve recurso em relação a ela, o Tribunal de Justiça confirmou essa ordem judicial, e aí estou falando de anos, e não de semanas. Depois que o Tribunal de Justiça confirmou, cientificou o juiz de primeira instância, foi para outro juiz que reiterou o cumprimento.
Quando isso aconteceu, a nossa instância de mediação, que é essa coordenação chamada COECV [Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade], fez reuniões de mediação a respeito de sete famílias e, infelizmente, esgotou a mediação. Depois de várias reuniões, a COECV concluiu que a mediação estava encerrada. A partir desse momento, a polícia não tinha outra opção a não ser cumprir a ordem. A polícia foi lá, e, se você disser que ocorreram episódios que não deveriam ter ocorrido, é claro que sim, tanto que estão sendo apurados.
Mas há uma visão errada de como as coisas se deram. Houve um episódio – um – em que um policial usou spray de pimenta contra uma moradora. Um episódio em sete famílias. Então essa é a situação. Nós adotamos uma atitude de diálogo com todos. Nós procuramos fazer as mediações. De um modo geral, nossa relação com os movimentos sociais e com os povos tradicionais e originários é uma relação muito boa, de ótima para excelente. Claro que pode haver críticas, mas há um respeito muito grande dos movimentos sociais com relação ao nosso governo.