O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, fez na terça, 8, uma original interpretação do resultado eleitoral de dois dias antes. Seu partido, o PT, saiu das urnas do primeiro turno com apenas 247 prefeituras, ou 4,4% do total na disputa nacional.
“Nós estamos confiantes que nas eleições municipais existem vitórias simbólicas importantes de uma frente ampla apoiada pelo presidente Lula contra candidaturas da extrema direita que tenta perverter o processo democrático brasileiro”. Vitória simbólica depois de uma tunda é expressão para lá de criativa.
A frente ampla aludida por Padilha comporta vários partidos de direita com assento nos ministérios, como o PSD, o MDB, o PP, o União Brasil e o Republicanos. Juntos elegeram 3486 prefeitos, ou 62% do total. Para Padilha, os resultados obtidos por essa turma devem ser computados na conta do governo federal.
O que parecia à primeira vista uma intervenção bizarra de um ministro de limitados predicados políticos ganha foros de boa percepção da situação pós-eleitoral. Explica-se: A dramática fragilidade demonstrada pelo PT e seus aliados mais próximos – PSOL e PCdoB – pode abrir nova fase de embates no interior do governo Lula. Quem tem mais força fará pressão por mais espaço.
Nesse quadro, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, emerge como o mais competente articulador político da direita. Sua agremiação conquistou 874 prefeituras e somou cerca de 14,5 milhões de votos. Em entrevista ao UOL, o atual secretário de governo de São Paulo admitiu que “a falta de sintonia entre o governo federal e boa parte dos partidos que compõem seus ministérios pode acabar no lançamento de candidaturas alternativas à reeleição de Lula em 2026”. Kassab é um político refinado. Solta uma pequena dose de veneno e, ato contínuo, derrama-se em elogios ao presidente da República.
Como se sabe, Lula sempre busca evitar confrontos com o lado de cima da sociedade. Comandando uma gestão que adotou a política econômica do mercado financeiro, que não impõe limites aos privilégios dos militares, que se entendeu muito bem com o Centrão, a ponto de Kassab afirmar que o governo “aprovou o que quis no Congresso”, que garante a maior fatia da publicidade oficial às organizações Globo e que evita criar arestas com a Casa Branca, o chefe do Executivo não terá problemas em se amoldar à nova situação.
Até aqui estamos na lógica usual do lulismo desde o primeiro mandato. Diante da perspectiva de algum embate, Lula se compõe com o oponente. Mas agora há uma novidade: o segundo turno em São Paulo.
Se tomarmos a reflexão do ministro Padilha por seu valor real, a maior cidade do país é palco de um enfrentamento entre duas alas da frente ampla governista, uma levemente progressista e outra claramente de direita. Com a saída de Pablo Marçal da jogada e com a divisão entre Jair Bolsonaro e Silas Malafaia na extrema-direita, Ricardo Nunes estreita laços com o governador Tarcísio de Freitas, um bolsonarista que come de garfo e faca e que não limpa a boca na toalha.
O MDB de Nunes não apenas está no ministério, como conta com decidido apoio de Lula no segundo turno em Belém do Pará, contra a extrema-direita. Numa situação dessas, tudo o que o petista buscará impedir é uma campanha radicalizada entre duas vertentes de sua base de sustentação. Vencendo Boulos ou Nunes, não haverá grandes apertos para o governo federal.
No entanto, a falta de rumos da gestão – à exceção do ajuste fiscal – abre nova fase de disputas intestinas pelo comando do país. Pode estar aí a explicação para a espantosa intervenção do ministro da Defesa, José Múcio, em evento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), na mesma terça em que Padilha destilou seu tirocínio político. Ao não poupar críticas às diretrizes oficiais no que toca o crescente genocídio praticado por Israel no Oriente Médio, a guerra na Ucrânia e a política indigenista, Múcio anunciou alto e bom som que este é um governo em disputa.
Somente pela direita e pela extrema-direita, é claro.
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