Guilherme Boulos: “É hora de construir uma política de combate à desigualdade em São Paulo”

Atualizado em 25 de abril de 2021 às 9:02
Guilherme Boulos no DCM. Foto: Reprodução/YouTube

Publicado originalmente no portal iG

POR CARLOS EDUARDO VASCONCELLOS

Após concorrer à presidência em 2018 e chegar à segunda colocação na disputa pela prefeitura de São Paulo em 2020, Guilherme Boulos (PSOL) não descarta a possibilidade de concorrer a governador do estado de São Paulo nas eleições do ano que vem. Aos 38 anos e membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Boulos consolidou-se como um representante da esquerda brasileira e tem usado sua conta no Twitter para criticar a condução do governo Bolsonaro na crise sanitária da Covid-19.

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Nessa entrevista, ele comenta sobre a recente  intimação na Polícia Federal no âmbito da Lei de Segurança Nacional , sobre a possibilidade de concorrer ao cargo de governador do estado mais populoso do país e das alternativas para a presidência da República em 2022. Confira a íntegra da conversa.

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Começando pelo assunto mais recente. Você foi intimado pela Polícia Federal (PF) na última quarta-feira (21) a prestar depoimento por conta de um tweet crítico ao governo Bolsonaro. O que tem a dizer sobre o uso da Lei de Segurança Nacional contra críticos do governo? 

A democracia brasileira está muito machucada e não é de hoje. Desde o golpe institucional que tivemos em 2016. O ambiente de liberdade democrática é afetado todos os dias por Bolsonaro com perseguição a jornalistas, opositores, movimentos sociais, e esse é mais um capítulo preocupante. Usar o aparato da Polícia Federal e do Ministério da Justiça para investigar um tweet é um escândalo, é uma forte evidência de perseguição política.

Mas não vão nos intimidar. Se o objetivo do Bolsonaro é tirar o foco da condução absurda e genocida da pandemia, de milhões de brasileiros que estão com fome, não vai conseguir. Se o objetivo é calar os opositores, como fez com Felipe Neto, Ciro Gomes e tantos outros, não vai conseguir. Tenho agora ainda mais motivos para criticar esse governo.

Você é uma das lideranças da oposição e faz parte de um dos partidos que mais encaminhou pedidos de impeachment de Bolsonaro no Congresso. Com mais de 100 requerimentos protocolados, por que acha que nenhum foi aberto? 

Bolsonaro tem uma ficha corrida de crimes de responsabilidade que vai de Brasília até São Paulo. Tem crime para valer como nunca antes houve, é um recorde. Agora, Lira não abre nenhum processo de impeachment porque está articulado com o governo Bolsonaro, que usou emenda parlamentar para comprar o centrão. Essa é a verdade e o Brasil todo viu essa negociata.

Acredita, então, que Bolsonaro está seguro na cadeira presidencial? A situação com o centrão tem se desgastado.. .

Não, ela está se desgastando rapidamente com a falta de saída para a crise econômica e sanitária, e isso vai fazer cada vez mais com que deputados do centrão, preocupados com sua reeleição, comecem a ponderar até onde vale a pena ficar com Bolsonaro. Não vão querer afundar junto. Então eu acho que existe uma possibilidade real de um processo de impeachment. Esse é o foco dos partidos da oposição e dos movimentos sociais. Não dá para esperar até 2022.

Em entrevista à Folha de S. Paulo na semana passada você se colocou à disposição para disputar o governo de São Paulo em 2022. É uma ideia consolidada? A candidatura já está sendo articulada?

Ainda não é momento para fazermos campanha eleitoral. Estamos com mais de 3 mil pessoas morrendo por dia, quase 19 milhões de brasileiros com fome, com o país devastado e destruído. Não dá para estar com a cabeça em 2022 agora. Mas, sim, eu disse que topo assumir o desafio de disputar o governo de São Paulo. Mas não significa que eu esteja iniciando uma campanha. Significa apenas iniciar um diálogo, um debate sobre o estado de São Paulo – que está abandonado.

O seu encontro com o Marcos Pereira, presidente do Republicanos – um dos partidos mais aliados ao governo federal – chamou a atenção e até chegou a levantar críticas dentro do partido. A aproximação faz parte de uma estratégia que visa as eleições de 2022?

A conversa que eu tive com Marcos Pereira não teve nada a ver com composição eleitoral para 2022. É uma conversa de uma aproximação que eu considero necessária da igreja com os evangélicos, como conversei também com outros pastores. Uma das formas de romper essa hegemonia tucana é o diálogo com as mais diversas frentes. Foi construída uma barreira, uma estigmatização dos dois lados, tanto pela postura de críticas de várias lideranças da igreja à esquerda, quanto da postura da esquerda também generalizando os evangélicos. Existe a necessidade de construir essas pontes.

Como avalia a atual gestão do governo de São Paulo?

São 30 anos de PSDB no estado mais rico e populoso do país. Estamos chegando a quase 100 mil mortos em decorrência da Covid-19 em São Paulo e estamos paralisados do ponto de vista econômico e social, com explosão de desigualdade.

Está na hora de construir uma renovação política política no estado de São Paulo. E acho que a rejeição em relação ao governo Doria cria uma condição para que o campo progressista, o campo polular, governe o estado pela primeira vez. É nesse sentido que eu me disponho. Para derrotar o BolsoDoria em São Paulo, para acabar com esses 30 anos de máfia da merenda, máfia do metrô, máfia do rodoanel. Construir uma política de combate a desigualdade no estado mais rico do Brasil.

E quais as estratégias para romper essa hegemonia tucana em São Paulo?

Através de um projeto de desenvolvimento econômico e social para o estado. Existe um cansaço perceptível por causa desse abandono, existe uma insatisfação profunda com a gestão da pandemia, isso precisa ser dito. A discussão nessa pandemia está sendo feita entre um genocida [Bolsonaro] e um marketeiro [Doria]. Não ser negacionista não deveria ser um mérito, deveria ser uma obrigação.

É verdade que ele tem contribuído com a vacinação, mas a vacina não é conquista dele, e sim de centenas e milhares de servidores, cientistas e pesquisadores do Butantan que participaram do processo. O próprio Doria quis privatizar o Butantan no início do governo. Mandou cortar mais de um terço dos recursos da Fapesp, um dos principais institutos de pesquisa científica de São Paulo. As pessoas percebem que há uma condução elitista da pandemia.

Não basta mandar as pessoas ficarem em casa, é preciso criar condições para que essas pessoas fiquem em casa sobretudo o mais pobres. Isso significa dar auxilio, garantir apoio a pequenos comerciantes, pequenos empresários, dar vale gás como Flávio Dino (PCdoB) dá no estado do Maranhão com muito menos caixa… São politicas de apoio econômico social de combate a fome que não estão sendo feitas.

Você chegou ao segundo turno após bater adversários com mais  trajetória política. Acredita que a candidatura tenha deixado um legado?

Foi uma luta de Davi contra Golias. A nossa candidatura não tinha praticamente nenhum tempo de televisão, e chegamos no segundo turno. Acredito que eu tenha plantado uma sementinha. O paulista está cansado dos mesmos atores, com os mesmos governos elitistas, está na hora de renovação.

Sobre as eleições para a presidência daqui a cerca de um ano e meio. Acredita que Bolsonaro chega enfraquecido ou ainda é preciso pensar em um projeto único como oposição?

Eu acho que Bolsonaro chega, sim, desgastado, tem uma CPI para ser instalada nessa semana. Mas, de qualquer forma, eu sigo defendendo um projeto de união popular do campo progressista.

Isso significa que o PSOL não deve lançar candidatura própria?

Isso vai ser discutido internamente nos congressos do partido. O que sabemos é que precisamos de um projeto popular que dialogue com os campos mais diversos. O resto será discutido internamente.

Qual a importância da volta do ex-presidente Lula como um player na disputa para 2022? O que muda no cenário? 

A recuperação dos direitos políticos do Lula muda o xadrez eleitoral. Evidentemente ainda está cedo, temos um ano para ver se isso vai, de fato, se consolidar, mas muda completamente e as pesquisas estão mostrando isso.

Acredita na necessidade de união do centro com a esquerda para bater Bolsonaro? Ainda levando em consideração a volta do Lula, acredita que o PT possa ceder protagonismo para uma chapa encabeçada por um player mais ao centro?

Ceder protagonismo ao centro ou à centro-direita é impraticável porque existe uma diferença de projeto econômico. Você pode ter setores da centro-direita que são contra o Bolsonaro; muitos deles, como Doria, estiveram unha e carne com ele em 2018, então esses setores têm, na visao econômica, os mesmos conceitos que Bolsonaro. Aliás, votam com ele em toda pauta do Congresso: reforma da previdência, corte de orçamento, corte de auxílio emergencial… São os mesmos compromissos.

Precisamos de um projeto que reconstrua o Brasil, o que implica em investimento público, em um plano ousado de obras de infraestrutura, moradia popular, na saúde, na valorização do SUS, na geração de emprego e renda.

Para tudo isso, é preciso discutir a ampliação da base monetaria como o mundo todo esta fazendo; botar na mesa uma reforma tributaria progressiva para taxação de fortunas como a América Latina inteira esta fazendo. Esses debates a direita nao topa, o centro não topa. Por isso não acredito nesse tipo de candidatura conjunta.

O mercado tem reagido mal a uma eventual vitória de algum candidato da esquerda em 2022, em especial ao nome de Lula. Como angariar apoio desse setor?

Diálogo deve se fazer com todas as partes, isso não arranca pedaço de ninguém. Eu, por exemplo, apresentei um programa popular em 2020 e recebi, no segundo turno, o apoio de um manifesto de empresários. Existem muitos empresários comprometidos com combate à desigualdade.

Outros, não, querem aprofundar esse modelo econômico arcaico e desigual que estamos vendo. Mas pode existir uma agenda de desenvolvimento em comum, o debate precisa ser feito caso  a caso. O que não pode é a esquerda deixar de apresentar um projeto popular, deixar de dialogar com os milhões de brasileiros que estão sem comida na mesa. São 14 milhões de desempregados. É preciso apresentar um projeto consistente que encontre maioria na sociedade brasileira.