PUBLICADO ORIGINALMENTE NO FACEBOOK DO AUTOR
Sobre o Jornal Nacional de ontem:
(1) O enquadramento simétrico – Haddad e o Coiso tendo que se defender das acusações de serem contra a democracia – mostra que a Globo permanece no discurso enganador dos “dois extremos”. É possível que acabe com uma postura pró-Haddad, com medo sobretudo da relação íntima que o Coiso está estabelecendo com a Record, mas vai cobrar caro esse apoio, em termos de diluição do discurso e “moderação” do programa. Minha opinião? Não vale a pena pagar esse preço. A influência da Globo se mostrou declinante e o custo em termos da conexão com o eleitorado desgarrado do lulismo, que precisa ser conquistado será alto.
(2) Haddad fez bem em recuar da proposta absurda de Constituinte, que era impraticável, seria um desastre para o campo progressista caso ocorresse agora e só serviria mesmo, como serviu, para alimentar o mito da “venezuelização”. Foi feio o modo como descartou Dirceu, mas, nas circunstâncias, diante da frase mais que inábil que o ex-comandante do lulismo proferiu, não creio que tivesse outra alternativa. O principal problema de conteúdo, a meu ver, foi que Haddad desperdiçou uma oportunidade importante para atacar o mar de mentiras que a campanha do Coiso está difundindo e que é o principal problema que sua campanha vai enfrentar. Quanto à forma, ele estava nervoso, ensaiado demais, duro e mostrando pouca disposição ofensiva. É o que temos, mas não tem desenvoltura como candidato. Precisa melhorar muito para marcar a diferença de que precisamos nos debates. E também faltou pelo menos uma menção ao nome de Lula.
(3) O Coiso é o Coiso. Um monumento à mentira e à estupidez. Incapaz de articular um raciocínio, tem a retórica de um chimpanzé amestrado não muito talentoso. Seu truque, digno de uma criança pequena se explicando para os pais, é falar mais baixo e bem rápido, de um jeito bem enrolado, quase ininteligível, aquilo que ele não quer que saibam – como a alíquota única de 20% nos impostos. Mas a pergunta é se isso o atrapalha. Temo que não, temo que a burrice colossal do Coiso amplie a identificação com seu eleitorado. Embora as circunstâncias sejam outras, a disputa de agora me faz lembrar o segundo turno de 1998 no DF. Concorriam o ex-governador Joaquim Roriz (hoje falecido) e o então governador Cristovam Buarque (também falecido, mas só politicamente). No último debate, um Roriz balbuciante, desnudado em sua incompetência, foi do começo ao fim humilhado por Cristovam. E virou a eleição dois dias depois. Não foi só isso, claro; Cristovam estava fazendo um péssimo governo, à base de factoides, e Roriz tinha uma larga clientela. Mas pesou a identificação com o humilhado e a repulsa à arrogância do professor.
(4) É triste assistir Jornal Nacional, não?
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Professor da UnB, coordenador do Demodê – Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades. É criador da disciplina sobre o golpe.