Publicado na DW:
Quando Pablo Escobar se entregou à polícia em 1991, disse que havia tomado a decisão, entre outros motivos, por seu “filho pacifista de 17 anos”. Hoje, mais de duas décadas após a morte de um dos maiores traficantes da história, esse filho que, desde então, vive em Buenos com um nome falso, reconstrói a história do pai em livro.
Em Pablo Escobar: meu pai – As histórias que não deveríamos saber, Sebastián Marroquín, ou melhor, Juan Pablo Escobar, não nega o carinho que tem pelo pai, mas esforça-se para ser objetivo e respeitoso em relação às vítimas dele – estima-se que tenham sido cerca de 10 mil.
“Meu pai está muito longe de ser um herói, como tentaram projetar alguns produtos sobre sua história, que deixam uma mensagem difusa sobre suas ações”, diz o autor, em entrevista à DW.
No mês passado, a Netflix lançou a série Narcos, inspirada na vida de Escobar e estrelada por Wagner Moura. Ela vem sendo criticada por humanizar demais um dos maiores assassinos da história da Colômbia.
Quando você se deu conta de que seu pai era traficante?
Em agosto de 1984, com a morte do então ministro da Justiça Rodrigo Lara Bonilla. Eu tinha sete anos. A figura do meu pai começou a aparecer na televisão não como o Robin Hood da Colômbia, mas como possível autor intelectual da morte do ministro. Foi mais ou menos nessa idade que meu pai me disse que havia escolhido ser um bandido e que essa era sua profissão.
A fronteira entre o lícito e o ilícito deve ser muito difusa quando se cresce numa ambiente desse. Quando você decidiu não seguir os passos de seu pai?
Houve vários momentos. O mais decisivo foi a morte do meu pai. Primeiramente, reagi de forma violenta e ameacei o país. Eu me arrependi dessas ameaças minutos depois, quando tomei consciência das consequências de levá-las adiante. Sempre quis fazer meu pai ver que a violência não era o caminho. Era muito consciente da violência que meu pai gerou e de como essa violência se voltava depois contra nós.
…E apostavam que eu me tornaria um segundo Pablo Escobar. Eu estava condenado, desde o início, a seguir seus passos, negócios e métodos. Mas os amigos do meu pai finalmente se deram conta de que eu não representava uma ameaça nem para eles nem para o país. Senão, eu estaria morto – sem dúvida nenhuma.
Que mensagem você tenta deixar com o livro?
Eu quero que, quem o leia, sobretudo os jovens, entenda que são histórias que não devem se repetir. A maneira como a história do meu pai foi mostrada ao mundo incita a repetição desse modelo. Gera um produto glamouroso, desejável, que muitos querem imitar. São jovens que não conhecem a história, que não sabem as consequências da violência, que veem uma série de TV, um filme ou um livro qualquer sobre meu pai, e querem ser como ele. Mas meu pai está muito longe de ser um herói, como tentaram projetar alguns produtos sobre sua história, que terminam deixando uma mensagem difusa sobre suas ações.
Você acha que seria possível aplicar para o narcotráfico, na Colômbia, um processo similar ao que atualmente se realiza com a guerrilha?
Em larga escala, o mundo terá que aceitar a ideia de que o tráfico de drogas continuará existindo. Não importa que leis sejam criadas contra isso: a única coisa que fazem é potencializá-lo. Histórias como a do meu pai continuarão se repetindo. Eu algum ponto, alguma vez na vida, a humanidade terá que declarar paz às drogas, porque essa ideia de seguir declarando guerra a ela não está funcionando.
Como os traficantes se adaptariam a essa nova situação? Eles se integrariam a um mercado legal?
Não acredito que se tornariam empresários prósperos de drogas lícitas. O jogo acabaria para eles. Não haveria mais forma de financiar a violência e a corrupção, porque ninguém pagaria o triplo por uma droga que se pode comprar na farmácia, controlada pelo Estado. Não quero dizer com isso que as drogas sejam boas, mas negá-las e proibi-las não é a solução. É preciso combatê-las com educação e informação, do Estado à família.
De todas as contradições da vida de seu pai, qual é a mais difícil de entender, de digerir?
A vida do meu pai é uma grande lista de contradições. Ele era um homem com ideias de esquerda, mas fundador do primeiro grupo de ultradireita da Colômbia, o MAS (Morte a Sequestradores). Ele também construía campos de futebol para que as crianças dos bairros mais populares não se drogassem – financiados com o dinheiro da droga.
Surpreendeu-me que meu pai fosse tão afim às ideias de Luis Carlos Galán e de Rodrigo Lara Bonilla [políticos colombianos adeptos do movimento Novo Liberalismo]. Uma das grandes contradições da vida do meu pai é como ele terminou ordenando o assassinato dessas pessoas, apesar de ele ser profundamente próximo aos pensamentos e políticas delas.