Histórico de Bolsonaro sugere que centrão e aliados também foram espionados. Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 26 de janeiro de 2024 às 9:56
O ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem, e o ex-ministro-chefe do GSI, Augusto Heleno. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Por Leonardo Sakamoto

Entre os milhares de espionados pelo serviço de arapongagem de Jair Bolsonaro estão magistrados, governadores, jornalistas, advogados, promotores, empresários e… parlamentares. O que vai acontecer quando deputados e senadores do centrão, que, de fato, mandam na coisa toda, descobrirem que não foram apenas rivais do ex-presidente os espionados?

Os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do STF, o então governador Camilo Santana, o então presidente da Câmara Rodrigo Maia, os então deputados Joice Hasselman e David Miranda, o ex-deputado Jean Wyllys, o jornalista Glenn Greenwald, a promotora Simone Sibilio (que esteve à frente das investigações do assassinato de Marielle Franco), o diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística Carlos Dahmer, o então chefe de fiscalização do Ibama Hugo Loss estão entre os nomes que tiveram seus movimentos rastreados.

Mas isso é apenas a ponta do iceberg, com gente vista como adversária pela gestão passada. Se você acredita que a paranoia bolsonarista se limitou a rivais é porque estava dormindo durante as quatro temporadas dessa série de realismo fantástico que fomos obrigados a viver.

Jair passou seu governo sendo tutelado pelo Congresso Nacional, que impediu um impeachment, mas ficou com parte significativa do orçamento nacional e do poder. O sentimento sobre isso pode ser resumido no “foda-se” do então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Heleno, em um áudio captado em fevereiro de 2020 – período em que o software espião estava ativo.

“Nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se”, disse ele na presença do então ministro da Economia, Paulo Guedes. Detalhe: a Abin está sob o guarda-chuva do GSI.

A questão não é se, mas quem do centrão foi espionado para ter subsídios ou garantias em negociações. O presidente da Câmara, Arthur Lira? Líderes de comissões? Presidentes de partidos? O que foi pego? Reuniões que não estavam na agenda? Encontros com doadores de campanha? Presença de nobres cristãos em locais de luxúria?

Arthur Lira. (Foto: Reprodução)

Após a operação que atingiu Ramagem, nesta quinta (25), a base bolsonarista, pressentindo cheiro de queimado, resolveu dobrar a aposta e exige uma reação institucional da Câmara e do Senado contra o STF.

Por outro lado, deputados governistas sabem do potencial explosivo da lista de espionados e querem que o Congresso peça para ela ser liberada pela Justiça. E o grupo Prerrogativas, de advogados e juristas, enviou uma petição ao STF pedindo a publicização dos nomes dos que foram alvos de espionagem ilegal.

Espionagem de políticos opositores pelo bolsonarismo já era a certeza antes mesmos das denúncias sobre o uso do software israelense First Mile virem a público no ano passado. Mas o que vai acontecer quando deputados, senadores e outros políticos de partidos do centrão descobrirem que foram vigiados pela gestão passada?

Pior: quando alguns bolsonaristas descobrirem que foram vigiados? Para um presidente que abandonou uma série de aliados na beira da estrada em nome da própria sobrevivência, isso não seria estranho.

Acordos eleitorais para outubro tendem a ser mantidos em nome do pragmatismo, mas ficará a desconfiança – até porque aliados de Bolsonaro podem ter baixado e levado as informações para casa a fim de serem usadas no futuro. E a desconfiança é péssima coisa para construir 2026.

Ao final, para que o escândalo seja contido, sacrifícios podem ser exigidos. E não será apenas o fim da candidatura de Alexandre Ramagem à Prefeitura do Rio de Janeiro.

Originalmente publicado no Uol

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