O Laboratório PCS Saleme, responsável pela infecção por HIV de seis pacientes transplantados no Rio de Janeiro, fraudou o registro da biomédica Júlia Moraes de Oliveira Lima. Moradora de Recife, Pernambuco, ela nunca atuou no estado em que o crime aconteceu. Os laudos foram assinados por Jacqueline Iris Bacellar de Assis.
O laboratório, responsável pelos exames de detecção de doenças em doadores de órgãos, falhou em identificar a presença do vírus HIV em dois doadores, cujos órgãos foram transplantados para diversos pacientes.
A descoberta do problema gerou um alerta entre as autoridades de saúde e deu início a uma investigação envolvendo o Ministério da Saúde, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), a Polícia Civil, a Polícia Federal e o Conselho Regional de Medicina (Cremerj).
“Hoje mesmo o meu marido contou pra mim o que estava acontecendo e eu fiquei muito impactada com a história. Meu Deus, que coisa horrível está acontecendo com essas pessoas”, disse Júlia, em entrevista ao G1, ao ser informada sobre o uso indevido de seu registro. Ela também destacou que nunca trabalhou no Rio de Janeiro e que exercia a profissão em laboratórios de São Paulo até deixar de atuar na área por motivos pessoais. Atualmente, ela trabalha com a produção e venda de velas artesanais.
O exame assinado por Jacqueline, utilizando o registro de Júlia, foi responsável por atestar negatividade para HIV em um dos doadores que acabou contaminando os receptores. No entanto, ao investigar o nome de Jacqueline, o Conselho Regional de Biomedicina não encontrou nenhum registro relacionado a ela. Além disso, o laboratório PCS Saleme também não possui registro junto à autarquia.
O outro laudo, que também falhou em detectar o HIV em um doador, foi assinado pelo médico ginecologista Walter Vieira, responsável técnico do laboratório e marido da tia do deputado federal bolsonarista e ex-secretário estadual de Saúde, Doutor Luizinho, líder do PP na Câmara. A relação pessoal entre o médico e o parlamentar adiciona mais uma camada de controvérsia ao caso.
A Secretaria Estadual de Saúde já suspendeu as atividades do Laboratório PCS Saleme e contratou, de forma emergencial, outra empresa para prestar os serviços de análises clínicas sem licitação.
De acordo com a Fundação Saúde, essa contratação foi motivada pela urgência e pelos riscos que a paralisação dos serviços poderia trazer. No entanto, a diretora administrativa financeira da fundação já destacou que um novo contrato será elaborado seguindo as regras da lei de licitação.
O contrato do laboratório PCS Saleme com o governo do estado, que se estendeu de 2022 até setembro de 2024, envolveu um valor de R$ 21,5 milhões.
O laboratório era responsável pela realização de exames de sangue e de identificação de doenças em várias unidades de saúde, incluindo hospitais e institutos especializados, como o Hemorio e a Central de Transplantes. Segundo os documentos do pregão eletrônico, o laboratório realizava, em média, 69 mil exames por mês, incluindo testes para HIV, hepatite e outras doenças.
O erro nos exames foi descoberto no início de setembro, quando um paciente transplantado apresentou sintomas neurológicos e testou positivo para HIV, apesar de não ter o vírus antes do procedimento. Após a contraprova, foi constatado que o doador, cujo sangue havia sido testado pelo PCS Saleme, estava infectado.
O transplante envolveu rins, fígado e coração, e todos os órgãos, exceto a córnea, acabaram transmitindo o vírus aos receptores. O fígado doado foi transplantado em uma paciente que morreu pouco depois, embora a causa do óbito não tenha sido diretamente relacionada ao HIV.
Outro caso foi identificado no início de outubro, quando mais um transplantado apresentou sintomas e testou positivo para HIV, confirmando mais um erro nos exames realizados pelo laboratório. Esses dois casos, ambos envolvendo laudos errados, colocaram em evidência as falhas graves nas operações do PCS Saleme, que agora estão sob rigorosa investigação.
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