Publicado originalmente na Ponte Jornalismo
Por Arthur Stabile
A técnica de enfermagem Shirlei de Paula, 30 anos, estava em uma padaria na zona sul de São Paulo com uma amiga na manhã de quarta-feira (21/10). O que seria a prévia do café da manhã no trabalho virou um caso de racismo.
Shirlei estava no local, próximo à estação Santa Cruz da linha 1 – Azul do Metrô, com sua colega de trabalho Rosângela Aparecida Libeti, 60 anos. Ela pegou pão, enquanto a amiga esperava na fila.
Ao se juntar a Rosângela, um homem, identificado como Roberto Barbosa dos Santos, a impediu por entender que a mulher negra estava furando a fila.
A senhora tentou explicar que elas estavam juntas, mas não deu certo. As duas, então, optaram por deixá-lo passar na frente. Contam que não adiantou e, nesse momento, ele começou as ofensas racistas.
“Ele me chamou de macaca, de preta, de vagabunda… De todas as palavras que você souber”, descreveu Shirlei, dizendo que os xingamentos começaram de forma mansa, “como se as pessoas não conseguissem escutar o que estava falando”, continua.
As mulheres perceberam o que estava acontecendo e Shirlei começou a registrar a cena com seu celular e retrucar as ofensas. Nesse instante, conta, o homem avançou nela de forma agressiva.
Rosângela estava do lado e percebeu que o homem iria para cima da amiga. Na hora, ela colocou a mão para impedir. Roberto, então, deu um tapa no rosto da senhora de 60 anos.
“Ele voltou com tudo, xingando e indo para cima da Shirlei. Coloquei a mão e ele meteu um tapa na minha cara. Foi muito rápido”, relembra a técnica de enfermagem, que trabalha na região há 34 anos.
Imagens de câmera de segurança mostram o momento da agressão. Também há um registro no celular Shirlei, com as imagens tremidas por conta da agressão. Funcionários da padaria as defenderam e expulsaram o homem do local. Elas contam que o homem fugiu depois que a polícia foi acionada.
Shirlei conta nunca ter vivido um caso de racismo com agressão como este. Cita que, ao longo de seus 30 anos, passou por ataques verbais e físicos apenas quando pequena, quando levou uma pedrada de outra criança.
“Já fui ofendida na balada, colegas de trabalho já me zombaram, seguranças perseguiram quando fui em uma praia famosa”, cita como exemplos. “Quando fiz alguns tipos de viagem, pessoas disseram que ali não era meu lugar”, relembra.
A mulher negra registrou Boletim de Ocorrência contra o homem – o documento estava em elaboração até a publicação desta reportagem. Agora, pretende ir adiante em busca de seus direitos. “Ele não é uma pessoa que está bem para viver em sociedade. Fez comigo ontem, pode ser com a sua mãe, com outra mulher outro dia”, afirma.
Segundo apurado pela Ponte, Roberto é funcionário do CRT (Centro de Referência e Treinamento) em IST/Aids, do governo do Estado de São Paulo, localizado na Santa Cruz.
A reportagem obteve de funcionários do local a informação de que o homem tem histórico de agressões, tendo atacado outra funcionária do local.
A Ponte procurou Roberto Barbosa dos Santos para saber sua versão. Em conversa por WhatsApp, o homem disse que “nem agora nem nunca falarei com a imprensa por orientação de minha defensora”. Após agradecer a “oportunidade”, bloqueou o contato.
Além dele, a reportagem também questionou o CRT e a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo sobre o caso e a denúncia anterior de que Roberto teria agredido uma funcionária do local. A secretaria ainda não se posicionou.
Segundo o CRT, a diretoria instaurou processo administrativo para apurar os fatos. Roberto foi afastado preventivamente durante as investigações. “O Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP repudia qualquer ato de discriminação, preconceito, agressão e qualquer tipo de desrespeito a cidadãos, independentemente de status social, gênero, etnia”, afirma.