Na véspera do impeachment de Collor, em 1992, os analistas diziam que o então presidente jamais cairia, por contar com número mínimo de apoio parlamentar.
Na semana em que Collor começou descer a ladeira de maneira irreversível, a revista Veja publicou uma capa desastrosa, com base naquilo que se considerava fato irreversível: Collor tinha apoio mínimo no Congresso.
Cravava que Collor manteria seu mandato, mas fraco.
No mesmo fim de semana, a IstoÉ publicou os recibos de depósitos em contas fantasmas apresentados pelo motorista Eriberto França, e a queda de Collor é que se tornou irreversível.
Antes disso, convencido de que a CPI que investigava as denúncias de corrupção não daria em nada, o senador Pedro Simon recusou a indicação de Ulysses Guimarães para ser o relator da comissão.
O posto foi ocupado por Amir Lando, um parlamentar obscuro, que havia assumido a cadeira no Senado dois anos antes, como suplente do senador Olavo Pires, que havia sido assassinado.
Digo isso a propósito das análises que estão sendo publicadas para tentar convencer o público de que o impeachment agora é bandeira sem chance de êxito.
Homens de pequena fé, alguém poderia dizer. Mas não. É apenas a consequência de quem desconhece os bastidores de Brasília e a dinâmica dos fatos, que muitas vezes, diante do imponderável, ganham vida própria.
Políticos trabalham como se pudessem controlar essa dinâmica, mas, na maioria das vezes, o que fazem é se adaptar a ela. Dizem hoje o que negaram ontem.
Há chance de Bolsonaro cair agora? Numa resposta objetiva, não. Mas ele pode cair? Sim. Do que depende? Da vontade dos políticos? Não. Depende das ruas.
Parte da elite, como mostram os editoriais do Globo, já trabalham pela saída de Bolsonaro, aparentemente convencida de que ele é ruim para os negócios. E é mesmo.
Mas o Globo não tem força para iniciar o processo que pode levar ao impeachment. Faz o diagnóstico, mas não tem coragem nem condição política para fazer a proposta. Certamente, conta que as ruas o façam.
E é para as ruas que os democratas devem se dirigir. Se não conseguirem levantar a bandeira do impeachment, que seria desejável, pelo menos podem ajudar a colocar limites em Bolsonaro e em seus apoiadores — gado, como é conhecido.
Desde 2014, essa massa de extrema direita tem agido com desenvoltura nas ruas, onde o povo democrático deveria estar.
Fez propostas que soavam absurdas, como intervenção militar, mas já conseguiram quase isso: primeiro com a intervenção no Rio, decretado no governo Temer, e agora com o Planalto ocupado por generais.
Mas muitos analistas e líderes, em vez de deixarem o povo gritar “Fora Bolsonaro”, “impeachment já”, como ocorreu na época de Collor, preferem brincar de feiticeiro, traçando estratégias de gabinete para enfraquecer o ex-capitão.
Convoque-se o general Heleno, aponta um. Aperte-se o Flávio Bolsonaro, diz outro. Pressione-se Sergio Moro.
Nesse teatro, Bolsonaro deita e rola desde que, lá atrás, já se falava em afastá-lo pelas declarações antidemocráticas.
Bolsonaro e o gado dele precisam conhecer a força das ruas, porque acham que, ali, são imbatíveis.
E as ruas só ficam cheias se houver um motivo claro, uma convocação objetiva.
Para os democratas, essa mensagem deve ser: Bolsonaro é indigno do cargo, comete crimes de responsabilidade em série, e precisa ser defenestrado.
Como?
A política encontrará o caminho. Mas o alvo ideal é: impeachment, impeachment e impeachment.