Publicado na BBC Brasil.
Em 2008, em meio à pior seca da Espanha em 60 anos, Barcelona recorreu a uma forma inédita – e drástica – de abastecimento: importar água.
Por seis meses, dez navios-tanque chegaram regularmente ao porto, carregando 28 milhões de litros cada, trazidos de uma cidade próxima, Tarragona, e de Marselha, na França. A um custo de 22 milhões de euros por mês em valores da época, a iniciativa era suficiente para atender 12% da demanda de seus 5,5 milhões de habitantes, enquanto a crise perdurasse.
Barcelona não é um caso isolado. O que na Espanha foi uma solução extraordinária para uma seca extrema é uma medida permanente em localidades onde a falta d’água é um problema constante.
As cidades-Estado de Hong Kong e de Cingapura dependem, respectivamente, da China e da Malásia para seu abastecimento por meio de dutos. Também a Jordânia, especialmente a capital, Amã, de Israel. Nos Estados Unidos, a cidade de Los Angeles recebe 90% da água que consome do Estado do Colorado, a 640 km de distância.
Diante da crise hídrica sem precedentes pela qual passa São Paulo – e da perspectiva de que o Sistema Cantareira, que abastece 6,2 milhões de pessoas na região metropolitana paulista, posse secar em julho se as chuvas se mantiverem abaixo da média, de acordo com o Centro de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden) -, surge a pergunta: importar água seria uma solução viável para São Paulo?
Alto custo
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil apontam que seria tecnicamente possível trazer água de locais distantes para abastecer a Grande São Paulo em caso de emergência, mas avaliam que a medida teria um custo alto demais e seria insuficiente para atender a demanda atual.
“Na prática, parte da água usada em São Paulo já é importada, porque vem de nascentes que estão em Minas Gerais”, explica Pedro Luiz Côrtes, especialista em gestão ambiental da Universidade de São Paulo (USP).
“Mas importar nos moldes convencionais, com navios-tanque ou caminhões, acaba sendo inviável, porque, em uma situação normal, são consumidos 70 mil litros por segundo. Não seria suficiente nem para atender a cidade por um dia.”
De acordo com o biólogo Glauco Kimura, coordenador do Programa Água para a Vida da ONG WWF-Brasil, o custo é o principal fator. Segundo os seus cálculos, o uso de caminhões-pipa para abastecer a população hoje atendida pelo sistema Cantareira não sairia por menos de R$ 700 milhões por mês.
Kimura levou em conta o consumo individual recomendado pela ONU, de 110 litros por dia, bem abaixo do atual entre os paulistanos, de 188,3 litros por dia, segundo o Ministério das Cidades, e o preço de R$ 700 por caminhão-pipa, que vem subindo com o aumento da procura.
“Seria uma medida desesperada e cara, um tapa-buraco. E só poderia ser usada por um ou dois meses no máximo. Ou seja, não resolve o problema”, afirma Kimura.
Logística ‘infernal’
Kimura ainda destaca que, pelo fato de São Paulo estar distante do mar, a logística para o transporte da água “seria um inferno”.
Côrtes, da USP, concorda. “Em Barcelona, era possível porque a cidade já está no litoral. São Paulo está quase 100km distante do porto mais próximo e seria necessário criar a infraestrutura para bombear a água até a cidade”, afirma o especialista.
“Já para trazer esta água de regiões distantes por dutos e tubulações, como fazem em outros países, seriam necessárias grandes obras, o que leva tempo e não serviria numa situação emergencial.”
Côrtes ainda esclarece que, caso São Paulo optasse pela importação por meio de tubulações, não seria necessário recorrer a países vizinhos, porque há água disponível na região Sul do país, que não passa por uma crise hídrica.
“Mas aí surge outro problema: a governança deste sistema. Não podemos pensar apenas no curto prazo. O problema da água vai perdurar por décadas e temos que pensar como estas obras afetariam a regiões fornecedoras”, diz ele.
“A crise atual acaba influindo no debate, mas precisamos pensar a longo prazo. Foi a falta generalizada de planejamento que nos levou à situação de hoje, porque reservatórios não esvaziam da noite para o dia.”
Para Kimura, do WWF, uma solução mais viável para a situação emergencial de São Paulo seria reaproveitar a água da chuva.
“Não estamos no Japão ou no Peru, onde chove pouco. Temos chuvas abundantes. Se armazenarmos esta água com cisternas e a usarmos para fins sanitários, já resolveria uma boa parte do problema.”
Água importada
Usada de forma emergencial em Barcelona, na Espanha, a importação de água é uma medida permanente onde a falta d’água é um problema constante.
BARCELONA: Por seis meses em 2008, navios-tanque carregando 28 milhões de litros de água foram trazidos de uma cidade próxima, Tarragona, e de Marselha, na França, a um custo estimado em 22 milhões de euros por mês, para atender 12% da demanda de seus 5,5 milhões de habitantes.
HONG KONG: Por causa do baixo índice de chuvas na ilha, cerca de 80% do seu abastecimento vem do rio Dongjiang, no sul da China. Um recente aumento do preço pago por esta água fez com que a cidade-Estado reavaliasse esta dependência.
CINGAPURA: Um acordo fechado com a Malásia em 1962 e com duração prevista até 2061 prevê o fornecimento de 1,13 bilhão de litros por dia. O país trabalha para ser autossuficiente hidricamente até o fim deste acordo. Hoje, 55% de sua água é dessalinizada ou reciclada.
JORDÂNIA: O país já tem um acordo de paz com Israel desde 1994, que prevê o fornecimento de 50 bilhões de litros de água por ano, e acaba de assinar outro para a transferência de um volume adicional de ao menos 36 bilhões de litros para a capital jordaniana, Amã.
LOS ANGELES: Atualmente, 90% da água desta metrópole, onde vivem 10 milhões de pessoas, vem do rio Colorado, a 640km de distância, e de uma região montanhosa ao norte do Estado da Califórnia. Em outubro de 2014, a Prefeitura estabeleceu a meta de reduzir o índice para 50%.