O ministro Paulo Guedes quer aproveitar a crise agravada pelo coronavírus para promover mudanças na economia que, em condições normais, ele não conseguiria.
E para isso elegeu um alvo: o Congresso Nacional, a que ataca em entrevista à revista Veja.
“O Congresso tem de desentupir o que está sentado em cima. Agora é a hora de cobrarmos uns aos outros. Temos de transformar a crise em reformas”, afirmou.
A entrevista dele está na capa da revista, sob o título “Precisamos proteger o Brasil”.
Quem não conhece Guedes poderia ver na manifestação dele uma genuína preocupação com o país.
Mas não foi isso que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, constatou na conversa que teve com ele esta semana, justamente para discutir como enfrentar a crise do coronavírus.
Em entrevista à Folha, Maia disse que ele não tem um plano.
“Guedes não tinha uma coisa organizada ou não quis falar. Se olhar os projetos, tem pouca coisa que impacte a agenda de curto prazo ou quase nada”, disse.
Por que Guedes, então, aceitou ser apresentado como “salvador da pátria” pela revista Veja? Revista que, registre-se, hoje é controlada por um empresário ligado ao sistema financeiro — por sistema financeiro, leia-se André Esteve, BTG Pactual.
A resposta está na cartilha de guru do neoliberalismo, Milton Friedman, que foi professor de Guedes na Universidade de Chicago.
No prefácio do livro Capitalism and Freedom, de 1982, Friedman escreve:
“Somente uma crise – real ou percebida como real – produz mudança de fato. Quanto essa crise ocorre, as ações dependem de ideias que estão disponíveis no momento. Acredito que essa é a nossa função básica: desenvolver alternativas para as políticas existentes, manter essas alternativas prontas e disponíveis até que aquilo que antes parecia politicamente impossível se torna politicamente inevitável”.
Foi essa a estratégia usada no Chile, durante a ditadura sanguinária e corrupta de Augusto Pinochet, para implementar mudanças que hoje estão sendo contestadas pelo povo com manifestações gigantescas.
Guedes deve se imaginar um gênio por usar estratégia já conhecida que transformaria o Brasil em um Chile de proporções continentais.
No que depender da mídia aliada, conseguirá, pois a pauta nessas corporações se tornou única.
Assim como seus analistas vendiam a reforma da Previdência como a porta que se abriria para mais empregos e dólar baixo, agora falam das reformas administrativa e tributária e da privatização como redentoras da crise.
Maia, que é liberal, surpreendentemente não faz coro a Guedes e seus porta-vozes na imprensa.
Para ele, as propostas econômicas listadas por Guedes, em ofício enviado aos parlamentares na terça-feira passada, não resolvem a turbulência dos próximos meses.
Dá um exemplo: a reforma administrativa, ainda a ser enviada pelo governo. Ele lembra que não é uma solução no momento.
Acabará com a estabilidade da maioria dos servidores e ampliará a terceirização, mas não é medida capaz de gerar emprego ou estimular investimentos no curto prazo.
Guedes fala em ação medíocre do ministro por enviar ofício ao Congresso.
“Não posso acreditar que um homem de 70 anos, com a experiência dele, tenha mandado isso com essa intenção. A crise é tão grande que a gente não tem direito de imaginar que o ministro da Economia de uma das maiores economias do mundo possa ter pensado de forma tão medíocre.”
Guedes parece ansioso e aposta alto na crise como oportunidade para fazer as pessoas aceitarem o que rejeitam.
Certamente ele acredita que, aterrorizada pelo coronavírus, a sociedade concordará com medidas que tiram direitos e empobrecem ainda mais a população.
É preciso resistir a este ministro e seus aliados na mídia. Talvez se considerem espertos e os outros, estúpidos.