Em quarto lugar na corrida presidencial, com 1,6 milhão de votos, Luciana Genro, do PSOL, marcou estas eleições ao colocar em pauta a taxação de grandes fortunas, o controle de preços e um combate mais profundo às iniquidades sociais no Brasil (sem contar a sova intelectual num ex-comediante).
Durante o segundo turno das eleições, a candidata recomendou que seu eleitorado não votasse em Aécio Neves, anulando o voto ou votando na outra candidata, a presidente Dilma Rousseff.
Luciana conversou com o DCM sobre a vitória de Dilma, o simbolismo por trás do segundo turno das eleições presidenciais e a formação do congresso mais conservador desde 1964.
Ocorreu de fato um embate entre a esquerda e a direita no segundo turno?
De forma simbólica sim, mas na prática o PT não é mais um partido de esquerda. Como dizer que é esquerda um partido que governa com figuras como Sarney, Collor, Renan Calheiros? Que faz a política econômica que garante os lucros mais exorbitantes do setor bancário? Que não promove nenhum avanço na luta das mulheres, dos LGBTs, além de chancelar a política de segurança ancorada na guerra aos pobres?
A esquerda ficou ao lado de Dilma, na sua avaliação?
O PSOL, que é o maior partido de esquerda coerente do Brasil, não se alinhou com Dilma. Nós rejeitamos Aécio, mas não nos comprometemos com Dilma. Avaliamos que o governo dela não foi e não será de avanços significativos. As pautas que eu vocalizei na campanha não foram e não serão levadas adiante por Dilma.
Como você avalia o resultado?
A oposição de direita não tem autoridade política para criticar o PT. Aécio denunciando a corrupção na Petrobrás é patético. O PSDB dizendo que vai defender os pobres é ridículo. Então venceu o mal menor, na visão da maioria do povo. Não tenho dúvida que os mesmos que comemoraram a vitória de Dilma vão sair às ruas em breve para lutar por mais direitos.
A pouca margem de votos demonstra que ela será uma presidente mais débil, mais refém dos partidos fisiológicos como o PMDB e que o PT está sangrando o seu patrimônio político cada vez mais. É na esteira de uma esquerda que abandonou suas bandeiras que a direita se fortalece. Por isso estamos construindo o PSOL para oferecer ao povo uma alternativa de esquerda coerente.
Foi prudente não manifestar um apoio explícito a Dilma?
Sim, foi muito correto. E o que está ocorrendo agora prova que estávamos certos. Uma semana depois das eleições o Banco Central aumentou a taxa de juros e especula-se que o Ministro da Fazenda virá do sistema financeiro. As posições de esquerda do governo são sazonais, isto é, só duram até o final do segundo turno.
Como você avalia a campanha do PT?
Durante o primeiro turno, Vladimir Safatle escreveu um texto muito interessante abordando simbolicamente a “estação das cerejas vermelhas”. Ela dura o período da campanha eleitoral. Serve para dar discurso à candidata do PT, para polarizar com o PSDB, animar a militância e termina no dia seguinte ao segundo turno. Foi isso o que ocorreu. Uma campanha que não corresponde à postura do governo ao longo dos 12 anos que o PT governou e que não corresponde ao que vem pela frente.
O primeiro discurso de Dilma reeleita abordou a reforma política. Ela vai seguir a cartilha do que você chamou de “três irmãos siameses”?
Infelizmente não vejo que haverá mudanças de rumo. Ao contrário, a situação econômica é bem complicada e os “mercados” exigem ajuste. Dilma vai fazer exatamente o que ela dizia que Aécio iria fazer. Um ajuste nas costas do povo, para garantir superávit primário e seguir pagando os juros para os credores da dívida pública. Ela não tem disposição de enfrentar os interesses do capital financeiro, dos bancos e dos milionários.
Por isso não tem outra saída a não ser se render a eles. Aécio poderia ser pior, com um ajuste sem anestesia. Mas com Dilma o ajuste virá de qualquer forma. O plebiscito para a reforma política, uma proposta democrática que Dilma defendeu, já está sendo abandonado pelo PT diante da resistência do PMDB. Eles não têm disposição de lutar nem pelo que eles mesmos dizem defender.
Você sentiu algum avanço nas pautas LGBT?
Não acredito. Mas isso não significa que não possamos ter avanços. A mobilização e a pressão do movimento LGBT pode gerar conquistas. Mas, se depender do governo, a bancada fundamentalista vai continuar dando as cartas.
Deve-se temer a direita antipetista?
Medo, de jeito nenhum. A direita não é antipetista, ela é antipovo. Temos que enfrentá-los com muita coragem. Mas há setores do povo que são antipetistas e não são de direita. Estão indignados com as traições do PT e muitos acabam votando no PSDB para castigar o PT. A melhor forma de enfrentar este fenômeno é mostrar que existe uma oposição de esquerda, coerente e que não abandou a luta em defesa dos interesses da maioria.
Você não acha que a maioria dos eleitores de Aécio Neves eram antipetistas?
Talvez, mas como eu disse anteriormente, não necessariamente de direita. Houve o voto castigo contra o PT e também muita confusão política devido ao tempo que já passou desde que o PSDB governou.
O que acha da formação conservadora do Congresso?
O Congresso sempre foi conservador, pois ele é resultado de um processo eleitoral no qual o dinheiro manda. Mas a correlação de forças do Congresso muda quando há pressão externa. Eu vi isso muitas vezes como deputada. Por isso não devemos temer, mas sim organizar a luta pelas pautas progressivas e exigir do Congresso que as aprove. É possível obter vitórias, mesmo diante deste Congresso tão ruim. Para isso é preciso organizar a indignação e fazer pressão em todos.
O PSOL tem mais força hoje para cobrar o governo federal?
Com certeza, temos mais força. Não só por que temos mais deputados, mas também porque o povo enxergando a experiência com o PT e uma parte já vê o PSOL como alternativa. Dobramos a nossa votação para presidência em relação a 2010 e isso se deu com a expressão das Jornadas de Junho, ainda que de forma minoritária, durante o processo eleitoral.
As eleições são sempre uma expressão distorcida da realidade, mediadas pelo poder econômico e pela grande mídia. Por isso a correlação de forças não se decide só nas urnas, mas principalmente nas ruas. E tenho certeza que teremos grandes embates com os interesses do capital.
Como você enxerga a derrota de seu pai, o petista Tarso Genro, para Ivo Sartori, do PMDB?
Compreendo a frustração dos gaúchos, mas o PMDB não é e nunca será uma alternativa para melhorar a vida do povo. Por isso, no primeiro turno oferecemos uma alternativa de esquerda com a candidatura de Roberto Robaina do PSOL.
Você será candidata novamente em 2018?
Se o PSOL quiser que eu seja novamente candidata a presidente, eu serei. Tenho disposição total, mas ainda é muito cedo.