‘Ingratidão’, ‘traição’: fala de Macron sobre Taiwan e EUA choca americanos e europeus

Atualizado em 13 de abril de 2023 às 8:04
Macron e Xi Jinping se reuniram dia 6 em meio à visita oficial do presidente francês à China. Crédito: Palácio do Eliseu

As declarações de Emmanuel Macron em seu retorno da China em que defendeu uma maior independência em relação aos Estados Unidos e que sugeriram que Taiwan não é problema seu chocaram fontes oficiais americanas e europeias.

“A pior das coisas seria pensar que nós, europeus, deveríamos ser seguidores sobre esse assunto e nos adaptar ao ritmo americano ou a uma reação exagerada chinesa”, foi precisamente uma das frases-choque do presidente francês, em entrevista ao portal Politico e ao jornal Les Echos.

“Se houver uma aceleração do conflito entre os dois polos, nós não teremos tempo nem meios econômicos para financiar nossa autonomia estratégica e nos tornaremos vassalos, sendo que podemos ser o terceiro polo se queremos ter alguns anos para construi-la”. A autonomia estratégica a que faz referência é basicamente uma defesa europeia, sem o intermédio americano.

Segundo o jornal francês Le Monde, as falas provocaram choque nos Estados Unidos.

“Apesar dos diálogos entre Washington e Paris que precederam a viagem do dirigente francês a Pequim, o tom de suas declarações chocou os especialistas e diversas fontes oficiais”, afirma uma reportagem publicada nesta quarta-feira.

“Primeiro, porque eles perceberam uma forma de ingratidão em relação aos Estados Unidos, que forneceram 35 bilhões de dólares de assistência militar à Ucrânia, enquanto esse país não concerne seus interesses vitais. Depois, porque Macron parece operar uma inversão de responsabilidade, incriminando a administração Biden pelo aumento das tensões com a China”, explica.

O jornal francês destaca a reação dos congressistas conservadores americanos, como o senador republicano Lindsey Graham, da Carolina do Sul, que publicou no Twitter: “O presidente Macron demonstrou forte liderança, particularmente na África. No entanto, quando se trata da China e da Rússia, ele se engaja numa posição de fraqueza e não compreende que o que a Rússia e a China preparam para o planeta”.

Menciona também as críticas do senador republicado Marco Rubio, da Flórida. “Na realidade, quando Macron fez a superpotência e enviou tropas na África, para combater os terroristas, ele sequer conseguiu lá, tivemos de transportá-los de avião na ida e na volta”.

Na Europa, as reações não foram as melhores. “Ouvimos políticos tanto nos Estados Unidos quanto na Europa falar de decepção, vergonha, traição”, diz o canal Deutsche Welle.

“As palavras de Emmanuel Macron foram recebidas com mais críticas do que apoios na maioria das capitais europeias”, relata Maria Garcia Zornoza, correspondente da TV alemã em Bruxelas.

A Polônia marcou uma visita oficial aos Estados Unidos. “A sensação generalizada é de que Emmanuel Macron está indo longe demais marcando a política externa dos 27 (membros da União Europeia), sem ter competência para isso”, precisa.

“A realidade é que os 27 países têm visões bastante diferentes sobre como abordar as relações entre China e Estados Unidos”.

Entre os dias 5 e 8 de abril, Macron visitou a China, onde encontrou-se com o presidente do pais, empresários e estudantes. Foto: Palácio do Eliseu


“Aqui, há um consenso de que a União Europeia deve ser mais independente da China em sobretudo em relação ao comércio e à tecnologia; da Rússia, em termos energéticos; e também dos Estados Unidos, em relação à sua segurança e defesa. As diferenças estão no caminho para consumar todas essas politicas”, contextualiza.

“A posição do chefe de Estado tem vocação a inflamar os debates europeus sobre a relação com a China, aliado ambíguo da Rússia na sua guerra na Ucrânia, sempre apreciando dividir europeus e americanos”, afirma o Le Monde.

O periódico destaca as diversas reações de parlamentares europeus críticos ao mandatário da França.

“Macron conseguiu fazer de sua visita na China uma operação de comunicação para Xi e um desastre diplomático para a Europa”, declarou Norbert Röttgen, deputado alemão do partido conservador CDU.

“Com sua concepção da soberania, que ele define em oposição aos Estados Unidos, mais do que pela parceria, ele se isola ainda mais na Europa”.

As declarações de Macron terão um “impacto duradouro para a credibilidade da França na Europa. Mais uma vez, estraga-se uma visão estratégica correta – a Europa deve construir sua própria defesa e se tornar adulta – pelo narcisismo e ausência de coerência”, afirmou Raphäel Glucksmann, eurodeputado socialista.

“A Europa esta construindo uma autonomia estratégica a serviço de um projeto comum, gêmea da independência francesa. Com a China, nossa visão se baseia numa maior reciprocidade, com vias de chegar a um novo equilíbrio”, publicou no Twitter no dia 6.

“A posição francesa não mudou. A França não é equidistante de Pequim e Washington. Ela é uma aliada dos Estados Unidos, mas não é alinhada”, defende-se a presidência francesa.

Em meio à tempestade política inter-atlântica contra o chefe de Estado, os laços sino-franceses se estreitam no campo econômico. Algumas das maiores empresas do país assinaram novos acordos para implantar ou expandir suas atividades na China.

A EDF, empresa estatal francesa de energia, reconduziu uma parceria com a CGN, a gigante central nuclear chinesa.

A L’Oréal obteve contratos com a chinesa Alibaba e com o consórcio de cosméticos de Shangai para aumentar a presença de startups francesas na cidade.

A Airbus, fabricante de aviões europeu sediado na França, anunciou uma nova linha de produção na China. A expansão deve distanciá-la ainda mais da Boeing, a concorrente americana.