Em falas recentes à imprensa, Jair Bolsonaro (PL) minimizou a questão da fome no país. O presidente da república e candidato à reeleição disse a um podcast que “fome para valer, não existe, como da forma que é falado. O que que é extrema pobreza? Você ganhar US$ 1,9 por dia, isso dá R$ 10. O Auxílio Brasil são R$ 20 por dia. Quem por ventura está no mapa da fome pode se cadastrar e vai receber”. Depois repetiu a fala no debate com presidenciáveis na Band TV no domingo (28/08).
O Instituto Fome Zero (IFZ) repudia este posicionamento de Bolsonaro, que minimiza o problema atual da fome no Brasil. Em julho, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan), que reúne pesquisadores de Universidades e Instituições do Brasil e do exterior, divulgou que mais de 65 milhões de brasileiros estão passando fome em 2022 – o equivalente à população da França. São 33 milhões de pessoas no Brasil classificadas em situação de insegurança alimentar grave, e 32 milhões em insegurança alimentar moderada, que estão sendo privados de comer o mínimo para uma vida saudável.
Os dados são da segunda edição do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, da Rede Penssan, e mostram um patamar semelhante ao que havia sido registrado há três décadas. O IFZ participou da discussão sobre o desenho da pesquisa e apoiou a Rede na busca de financiamentos para viabilizar o trabalho de campo. Alguns membros associados e fundadores do IFZ participam da Rede Penssan.
O Instituto Fome Zero assina embaixo a nota divulgada pela Rede Penssan em repúdio ao estudo assinado pelo presidente do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), Erik Alencar de Figueiredo, em que ele contesta o aumento da fome no Brasil nos últimos quatro anos. Figueiredo argumentou que para reconhecer o aumento da fome deveria ocorrer um expressivo número de internações no sistema de saúde por doenças decorrentes da fome e da desnutrição.
Para isso, o presidente do Ipea desqualificou estudos baseados em estatísticas oficiais e não governamentais, e usou de forma tendenciosa o Auxílio Brasil – um dos principais trunfos da campanha à reeleição. O material foi apresentado por Figueiredo em uma coletiva de imprensa no Palácio do Planalto. O material não recebeu parecer de outros pesquisadores do Ipea, como costuma acontecer em outras divulgações de histórico respeitável de produção técnico-científica desta instituição do Estado Brasileiro que já foi referência, para o planejamento, elaboração e avaliação das políticas públicas.
A Rede Penssan destacou que a afirmação do presidente do Ipea é absolutamente falsa, com equívocos conceituais do argumento sobre a relação entre insegurança alimentar e os indicadores de saúde. Isso porque o número de internações relacionadas à desnutrição não é um indicador adequado para medir a insegurança alimentar e nutricional. Os primeiros diagnósticos de crianças internadas no sistema de saúde com diarreia, infecção respiratória ou desidratação, por exemplo, não têm a desnutrição como origem.
A nota do presidente do IPEA se inscreve em uma tentativa geral de desautorizar qualquer estudo científico que contrarie a visão retrógrada e negacionista do governo federal. Fato semelhante já havia acontecido quando se criou uma informação paralela aos dados de desmatamento divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Também ao se tentar esconder os dados de mortes pela Covid-19, divulgados pelo Ministério da Saúde. Para esse governo, a política para combater os nossos problemas é a falsificação de informações.
As pesquisas que têm como base a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) é considerado o mais adequado pois é uma medida direta, objetiva, imediata e não invasiva (não é preciso tirar uma amostra de sangue, pesar ou medir). E utilizam amostras idênticas à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), o que eventualmente – após a realização de testes estatísticos, permite uma comparação com outros indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os dados da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar têm uma dinâmica completamente diferente dos dados de internação divulgados pelo Ministério da Saúde (MS). Os tempos em que ocorrem os eventos são distintos, o objeto de investigação é diferente, e a periodicidade também é muito diferente. Além disso, há um sério problema de subnotificação nos cálculos de internação por parte do MS.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), também divulgou nota destacando que recebeu o conteúdo do presidente do Ipea com espanto e indignação e apontou que o material ignora a ciência e a condição de vida de milhões de brasileiros. Assim como a Rede Penssan e a Abrasco, o IFZ presta solidariedade à grande parcela da população brasileira que vive grave situação de miséria e fome.
Texto originalmente publicado no site INSTITUTO FOME ZERO.