O cenário internacional do balanço de forças entre a Rússia e o chamado Ocidente mudou significativamente no intervalo de um mês, com pouco mais de 40 dias de combates na Ucrânia. O isolamento do país se reduziu, apesar do intenso cerco político-financeiro-midiático patrocinado por Washington. Não se trata de opinião aleatória, mas de aferição numérica no âmbito da Organização das Nações Unidas. Vamos aos fatos.
Em 2 de março a Assembleia Geral da ONU aprovou resolução condenando a invasão russa. O resultado da votação por países foi o seguinte:
141 votos contra a Rússia;
35 abstenções;
5 a favor.
Em 7 de abril a mesma Assembleia Geral, composta pelos mesmos países, colocou em pauta a proposta de suspensão do país do Conselho de Direitos Humanos. O resultado vai abaixo:
93 votos contra a Rússia;
58 abstenções;
24 a favor.
Em termos percentuais, o total de contrários caiu 35%, as abstenções aumentaram em 135% e os votos favoráveis a Moscou cresceram 480%!
Na primeira volta, o Kremlin teve o suporte apenas de Belarus, Eritreia, Coreia do Norte, Rússia e Síria. Na segunda, o apoio envolveu, além desses, Argélia, Bolívia, Burundi, República Centro Africana, China, Congo, Cuba, Etiópia, Gabão, Irã, Casaquistão, Quirguistão, Laos, Mali, Nicarágua, Tadjiquistão, Uzbesquistão, Vietnã e Zimbábue. Esses haviam se abstido há 30 dias.
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O Brasil passou de uma posição contrária à abstenção, de uma oportunidade à outra. Nesse pelotão, entre outros, estão Cabo Verde, Camboja, Egito, El Salvador, Guiné Bissau, Índia, Indonésia, Iraque, Kwait, Malásia, Namíbia, Nigéria, Paquistão, Catar, Senegal, África do Sul, Tailândia, Uganda, Emirados Árabes e Iêmen.
Ressalte-se que todos os contrários ou os que se abstiveram – à exceção da Rússia, China, Índia, Paquistão, Coreia do Norte, Casaquistão, Uzbequistão e outros asiáticos – são países do Sul global. Ou seja, o movimento de mudança no ambiente global se dá na periferia.
Boa parte desses países recebem fortes investimentos e têm boas relações econômicas e comerciais com a China, o que evidencia, de outra parte, um jogo de forças intenso entre as superpotências.
Há que se ressaltar outros fatores. No espaço de um mês, o torniquete financeiro contra a Rússia se intensificou, o cerco midiático atingiu parâmetros inéditos e a responsabilidade por um massacre de enormes proporções na cidade de Bucha, nos arredores de Kiev, foi imputada aos desígnios supostamente sádicos de Vladimir Putin. Até agora, a responsabilidade sobre a matança segue controversa.
Em síntese, se o objetivo da OTAN, nas palavras de Joe Biden é “espremer” Putin e colocar “o mundo contra a Rússia”, a realidade mostra um movimento em direção contrária.
É claro que o sentido do jogo de forças pode se inverter. Mas até aqui o isolamento de Moscou se mostra menor do que o previsto, apesar da suspensão.
…
Por fim, vale ressaltar que há diferenças qualitativas entre as duas deliberações. A condenação à invasão tem características políticas fortes e poucos efeitos práticos. A suspensão do CDH de um dos membros do Conselho de Segurança implica abrir um gravíssimo processo de questionamento da própria ideia de ONU. Cria-se um obstáculo ao diálogo. O Conselho é formado por 47 países, com mandatos de 3 anos. O organismo foi criado em 2006 pela Assembleia Geral. Votaram contra Estados Unidos, Israel, Ilhas Marshall e Palau. Não votaram Belarus, Irã e Venezuela. Após anunciar sua saída em 2018, os EUA voltaram três anos depois.
Se a mais bem sucedida experiência de criação de uma sociedade internacional da História pode colocar para fora, de forma sumária, um de seus membros mais importantes, então essa sociedade entra em uma crise de consequências imprevisíveis. Diante de uma proposta irresponsável, vários países votam não apenas pensando na Rússia, mas no tipo de relações internacionais que teremos daqui por diante.
(Originalmente publicado no FACEBOOK do autor)