Por Milton Blay
O ex-primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, amigo de Jair Bolsonaro, vai voltar ao poder com maioria de 65 deputados num parlamento de 120. Será, ao que tudo indica, o pior governo, o mais antidemocrático que Israel já teve, formado por uma coalisão de 4 partidos: o Likud, de Netanyahu, e outros 3 partidos ortodoxos, dentre os quais o Sionismo Religioso, de extrema-direita, que junta os fascistas Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, que chegou em terceiro lugar.
No dia 5 um amigo me dizia: – Voltamos cem anos atrás.
Caso a coalisão se confirme, como tudo indica, Israel estará num processo acelerado de “orbanização”.
A professora de Ciência Política da Universidade Hebraica de Jerusalém Gayil Talshir declarou à emissora britânica BBC que “Israel está a caminho de se tornar uma nova Hungria sob Orbán”, deixando de ser uma democracia para passar a ser uma autocracia com eleições.
A ascensão da extrema-direita, do partido Sionismo Religioso, preocupa, tanto dentro como fora de Israel.
“O kahanismo venceu”, escreve o diário Haaretz em editorial. “Israel está agora mais próximo de uma revolução autoritária religiosa e de extrema-direita, cujo fim é dizimar a infra-estrutura democrática sobre a qual o país foi construído.”
Ben-Gvir é discípulo de Meir Kahane, que formou o Kach, partido colocado na ilegalidade por Jerusalém, em 1994, por estar na lista de grupos terroristas em Israel e nos Estados Unidos. Nesse mesmo ano, Baruch Goldstein, que levou a cabo um ataque terrorista em Hebron matando 29 muçulmanos, foi qualificado de “herói”.
Foi Ben-Gvir que, em 1995, segurou um emblema do carro do então primeiro-ministro, Yitzhak Rabin, e declarou: “Chegamos ao carro dele, vamos chegar a ele.” Semanas mais tarde, Rabin era assassinado.
Os seguidores de Kahane consideram os árabes “inimigos” e se propõem a expulsar de Israel os cidadãos palestinos que não forem “leais”.
Em 2015, Ben-Gvir declarou ser “um homofóbico orgulhoso”.
Até pouco tempo atrás, Ben Gvir era visto como uma figura política marginal, “tóxica” até para a direita israelense. Os sionistas religiosos, teocráticos, que se preparam para entrar no governo, não reconhecem o Estado laico e afirmam a superioridade da lei religiosa sobre o direito civil, como acontece em certos países muçulmanos onde reina a charia.
“Os kahanistas não querem apenas ministérios, eles têm uma agenda”, escreveu nas eleições de 2021 o analista Nauhm Barnea, no YnetNews, sobre a entrada do Partido Sionista Religioso no Knesset. “Antes de mais significa a liberdade de terroristas judeus operarem nos territórios. Segundo, significa a destruição do sistema de justiça; terceiro, significa o apartheid dentro de Israel, a separação racial nos hospitais, nas universidades e na função pública; quarto, a discriminação de gênero; quinto, o reforço dos códigos ultra-religiosos.”
Para eles, o Grande Israel já não é o principal objetivo. Trata-se agora de esmagar tanto os palestinos como os árabes israelenses e os judeus de esquerda sob suas botas, afirma o filósofo Assaf Sharon.
Os tempos mudaram, para pior. Outrora, quando Meir Kahane falava no Knesset, os deputados do Likud e muitos deputados dos partidos religiosos abandonavam a sala. Hoje seus seguidores entram no governo.
A jornalista do Jerusalem Post Lahav Harkov contou no Twitter, que na noite eleitoral o “número dois” do partido Sionismo Religioso, Itzhak Waserlauf, foi questionado pelo Canal 11 da televisão israelense: “Há preocupação entre os árabes e pessoas de esquerda [com o resultado do partido], o que tem para lhes dizer?” A resposta: “Devem continuar a estar preocupados.”
Entre outras reformas hiper-conservadoras, o Sionismo Religioso também propõe a mudança da legislação sobre a corrupção para por fim ao processo em que Benjamin Netanyahu responde por corrupção e para que os ministros possam manter-se no cargo mesmo que sejam formalmente indiciados. Vários comentaristas consideram que esta mudança deixaria a política israelense exposta à corrupção sistemática e ameaçaria a independência do sistema judicial.
Como? Através da nomeação política dos juízes do Supremo e a abolição da sua capacidade de julgar inconstitucionais leis aprovadas no Knesset. O que corresponderia a jogar a Constituição na lata de lixo. Netanyahu parece disposto a aceitar as exigências da extrema-direita contra a suspensão do seu julgamento.
Um governo com a presença desses religiosos ultradireitistas seria também um problema para a posição internacional de Israel, inclusive nas relações com o seu principal aliado, os EUA.
Vários comentaristas israelenses têm alertado para o perigo desta versão de “nacionalismo sionista”, que discrimina árabes, LGBT+ e até judeus reformistas, podendo causar danos à relação privilegiada que Israel tem com os Estados Unidos, “talvez até de forma permanente”; segundo o diário Jerusalem Post.
Outro jornal, o Haaretz, também citou recentemente membros pró-Israel do Congresso norte-americano, dizendo que a entrada do Sionismo Religioso no Governo de Israel seria “um desastre” para a relação entre os dois países.
É de se perguntar então por que muitos israelenses votaram na extrema-direita religiosa; afinal a economia cresce e o setor tecnológico vive um boom de euforia. O Haaretz enumera: A perda de confiança nas instituições e a intolerância não apenas em relação aos árabes, mas perante os judeus de esquerda, os não praticantes e as pessoas LGTB+. “Estas atitudes estão conduzindo ao extremo racismo – ou, mais precisamente, ao supremacismo judaico”.