O diplomata e cientista político Paulo Sérgio Pinheiro foi ministro dos Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso. Ele é professor aposentado do Departamento de Ciência Política da USP e integrou o grupo de trabalho nomeado por Lula que preparou o projeto de lei da Comissão Nacional da Verdade.
Pinheiro concedeu uma entrevista ao jornalista Gilberto Maringoni na Superlive de Domingo do Diário do Centro do Mundo (DCM).
Confira os principais trechos.
“Cera” para liberar os brasileiros “por razões políticas”
Vou dizer o que eu pensei durante todo esse tempo. A diplomacia brasileira se comportou magnificamente. Nem me interessa bem quem são esses brasileiros, se são bolsonaristas ou se são evangélicos que apoiam qualquer governo em Israel.
Não importa se brasileiros se comportaram bem. Quem não se comportou bem foi o governo de Israel. Ele praticamente fez chantagem com o governo brasileiro.
É inexplicável esse atraso. Eles não gostam da independência do Brasil, da nossa política externa independente, como se falava no tempo do João Goulart [pré-golpe de 64].
Só aceitam o total enquadramento. Basta falar sobre essa palhaçada desse embaixador de Israel [Daniel Zonshine] que levou o inominável [Bolsonaro] para se encontrar com outros coleguinhas de extrema direita. Isso não dá.
Isso é inaceitável. Nunca vi isso em 40 anos de política, de vida internacional. Nunca vi isso. Um governo de um país que convida o presidente anterior, que está sem direitos políticos por oito anos, para fazer um convescote no Congresso Nacional.
Estão erradíssimos! A presidência do congresso está erradíssima em ter tolerado isso. Os deputados brasileiros que participaram dessa palhaçada evidentemente são coautores.
Isso é lamentável. A conduta do governo de Israel foi lamentável em adiar sem nenhuma razão, sem nenhuma razão, simplesmente por vingancinha. Fizeram isso porque o presidente [Lula] disse que não se trata mais de uma guerra e sim do genocídio.
Israel não gostou e resolveram fazer toda essa cera.
Israel age no Brasil como “Casa da Mãe Joana”
Há declarações totalmente inaceitáveis do embaixador de Israel. Olha, Israel se comporta no Brasil como se estivesse na “casa da mãe Joana”.
Houve um incidente há dois meses na Universidade de São Paulo. Os alunos fizeram um protesto contra um centro ligado à Israel. Policiais e pessoas do consulado de Israel apareceram com cachorros exigindo o fechamento do prédio.
Felizmente a diretora estava lá disse que manda naquele prédio. Quer dizer: eles invadem a Universidade de São Paulo, provavelmente com essas forças eu não sei se são do Mossad [serviço secreto israelense] ou não.
Vários países, como os Estados Unidos, têm os fuzileiros navais para protegerem os seus consulados e embaixadas. Imagino que Israel faça o mesmo.
Somando o convescote do embaixador no Congresso e mais essa fal essa falação “somos nós do Mossad”… o governo brasileiro não tem que submeter a isso.
E a reação do ministro foi correta. É um sinal de que o Brasil precisa ter uma atitude mais diplomaticamente consequente com o governo de Israel. Não vou dar lições ao chanceler [Mauro Vieira], que eu admiro.
Mas está na hora do governo brasileiro chamar de volta o embaixador. Bibi Netanyahu resolveu dar com a língua nos dentes. A posição do Brasil foi extremamente consequente no Conselho de Segurança. As falas do presidente Lula já estavam solidárias com outros países latinoamericanos na questão da Palestina.
E, desde então, em todas as reuniões internacionais, o presidente tem uma atitude absolutamente independente em relação à política de Israel.
Quero dizer a todos os meus amigos no governo que não dá mais para tolerar. Esses dois incidentes já são gravíssimos. Numa relação diplomática formal é um desconhecimento total das regras básicas da convivência diplomática.
“A carta do antissemitismo é uma carta ‘surrada’”
Essa carta do antissemitismo é uma carta surrada que confunde. Primeiro, partem do princípio que Israel representa o judaísmo no mundo. Não são eles os representantes dos judeus.
Eles são representantes de alguns judeus. Judeus que estão em Israel. Não falam do governo supremacista judaico atual, de extrema direita. Não falam das comunidades judaicas Independentes.
Israel tem um investimento enorme no mundo. Por exemplo, eles têm aqui uma entidade que chama Stand with Us [ligado ao André Lajst] para defender a posição de Israel.
É evidente que vários órgãos da imprensa usando os press releases do consulado e da embaixada como se fosse investigação jornalística. Mas isso é um problema doméstico agora que Israel tem uma poderosa ação de propaganda.
Poderia haver solidariedade depois dos incidentes do dia 7 de outubro. Mas foi por água abaixo após o presidente de Israel dizer que, em Gaza, nós não vamos distinguir entre os combatentes e os civis.
Trata-se da proteção dos direitos dos civis. É a pedra de toque das leis da Convenção de Genebra, de todas as convenções internacionais das Nações Unidas.
E esse presidente diz não nós não vamos distinguir todos que são culpados. Teve declarações dos ministros desse governo e um até que pediu um ataque nuclear, cometendo uma indiscrição.
Porque no mundo, Israel esconde que é uma potência nuclear. E o cara pediu uma bomba nuclear. Até o Bibi foi obrigado a suspendê-lo por essa por esse estrupício total, por essa declaração estúpida.
Querer transformar as críticas de Israel, a tomada de posição ao lado do povo palestino, de antissemitismo é conversa para boi dormir. Não cola mais no Brasil.
O governo Clinton cismava que havia uma célula terrorista na Tríplice Fronteira com os estados da Argentina e do Paraguai. Na época nós investigamos e não tinha célula nenhuma. E o governo de Washington continuava a manter e nó em cima do governo Fernando Henrique [Cardoso].
Israel não respeita nenhuma resolução da ONU. Eles não respeitam as convenções de direitos humanos.
Por isso, querer falar conosco dessa forma é um escândalo inaceitável.
Veja a live na íntegra.
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