Israel X Irã: a Rússia entrou no jogo. Por M. K. Bhadrakumar

Atualizado em 10 de outubro de 2024 às 19:54
Presidente russo Vladimir Putin e o líder espiritual supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, em 2018. Foto: Reprodução

Publicado originalmente em “Outras Palavras”

Por M. K. Bhadrakumar

Israel aparentemente engavetou seu ataque planejado contra o Irã. Uma combinação de circunstâncias pode ser atribuída a esse recuo, o que desmente a retórica intensa de Tel Aviv, de que estava pronto para agir.

Apesar da brilhante gestão de mídia de Israel, surgiram relatos de que o ataque de mísseis iranianos em 1º de outubro foi um sucesso espetacular. Foi uma demonstração da capacidade de dissuasão do Irã para esmagar Israel, se necessário. O fracasso dos EUA em interceptar os mísseis hipersônicos iranianos trouxe uma mensagem própria. O Irã afirma que 90% de seus mísseis penetraram no sistema de defesa aérea de Israel.

Will Schryver, engenheiro técnico e comentarista de segurança, escreveu no X: “Não entendo como alguém que viu os muitos vídeos dos ataques de mísseis iranianos contra Israel pode não reconhecer e admitir que foi uma demonstração impressionante das capacidades iranianas. Os mísseis balísticos do Irã ignoraram as defesas aéreas dos EUA/Israel e realizaram vários ataques com grandes ogivas contra alvos militares israelenses.”

Evidentemente, na situação de pânico que se seguiu em Israel, até 4/10 ainda havia decisão sobre qual tipo de resposta dar contra o Irã. Como disse o presidente dos EUA, Joe Biden, “se eu estivesse no lugar deles [israelenses], estaria pensando em outras alternativas além de atacar campos de petróleo”. A fala foi feita em uma rara aparição na sala de imprensa da Casa Branca, um dia depois de autoridades israelenses dizerem que uma “retaliação significativa” era iminente.

Biden acrescentou que os israelenses “ainda não concluíram como — o que eles vão fazer” em retaliação. Biden também disse a repórteres que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, deveria lembrar do apoio dos EUA a Israel ao decidir os próximos passos. Ele afirmou que estava tentando mobilizar o mundo para evitar uma guerra total no Oriente Médio.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Foto: Ronen Zvulun/Reuters

Nesta pantomina, é mais seguro acreditar em Biden, já que a verdade é que, sem a ajuda prática e financeira — e intervenção direta — dos EUA Israel simplesmente não tem fôlego para enfrentar o Irã. A dominância regional de Israel se restringe a executar planos de assassinato e atacar civis desarmados.

Mas, mesmo aqui, é discutível o quão autossuficiente Israel é, comparada com o Irã. Surgiram relatos de que a nova inteligência tecnológica dos EUA localizou o paradeiro do líder do Hezbollah, Sayyed Nasrallah, que foi passada a Israel, levando ao seu assassinato.

Curiosamente, o diretor da CIA, William Burns, interveio para refutar os rumores de que o Irã tenha conduzido um teste nuclear no último sábado, 5/10. Falando em uma conferência de segurança na segunda-feira, Burns afirmou que os EUA monitoraram de perto a atividade nuclear do Irã em busca de qualquer sinal de que o país esteja acelerando em direção a uma bomba nuclear.

“Não vemos evidências hoje de que tal decisão tenha sido tomada. Observamos isso muito cuidadosamente”, disse ele. Burns desfez suavemente outro pretexto para atacar o Irã.

Um fator crítico que obrigou Israel/EUA a adiar qualquer ataque ao Irã foi o severo aviso de Teerã de que qualquer ataque à sua infraestrutura por Israel seria respondido com uma reação ainda mais dura. “Ao responder, não hesitamos nem agimos precipitadamente”, citou o ministro das Relações Exteriores, Abbas Araghchi, que, aliás, fez uma viagem ao Líbano e à Síria no fim de semana para enviar uma “mensagem” desafiadora a Israel — como ele colocou — de que “o Irã apoiou fortemente a resistência e sempre a apoiará.”

No início de 4 de outubro, o Líder Supremo, Aiatolá Ali Khamenei, usou um raro sermão público para defender o ataque de mísseis do Irã contra Israel, dizendo que foi “legítimo e legal” e que, “se necessário”, Teerã o faria novamente. Falando em persa e árabe durante as orações de sexta-feira em Teerã, Khamenei disse que o Irã e o Eixo da Resistência não recuarão diante de Israel. O Irã não “procrastinará nem agirá apressadamente ao cumprir seu dever” de confrontar Israel, declarou Khamenei.

No entanto, o que desmotiva os israelenses e causa desconforto nos EUA é outra coisa — as crescentes sombras da Rússia sobre o cenário do Oriente Médio.

Analistas militares norte-americanos divulgaram que certas armas altamente avançadas da Rússia foram transferidas para o Irã nas últimas semanas, apoiadas pelo envio de pessoal militar russo para operar esses sistemas, incluindo mísseis S-400. Há especulações de que o secretário do Conselho de Segurança da Rússia (ex-ministro da Defesa) Sergei Shoigu fez duas visitas secretas ao Irã no período recente.

Aparentemente, Moscou também respondeu ao pedido iraniano de dados de satélite sobre alvos israelenses para seu ataque de mísseis em 1º de outubro. A Rússia também forneceu ao Irã o sistema de guerra eletrônica de longo alcance “Murmansk-BN”.

O sistema “Murmansk-BN” é um poderoso sistema de guerra eletrônica, capaz de bloquear e interceptar sinais de rádio inimigos, GPS, comunicações, satélites e outros sistemas eletrônicos a até 5.000 km de distância, neutralizando munições “inteligentes” e sistemas de drones — e é capaz de interromper sistemas de comunicação via satélite de alta frequência pertencentes aos EUA e à OTAN.

Sem dúvida, o envolvimento russo no impasse do Irã com Israel é potencialmente um divisor de águas. Do ponto de vista dos EUA, isso levanta o espectro preocupante de um confronto direto com a Rússia, algo que Washington quer evitar.

É nesse cenário que agências de notícias oficiais russas citaram o assessor presidencial Yury Ushakov, no domingo, afirmando que Putin planeja se encontrar com seu homólogo iraniano, Masud Pezeshkian, na capital do Turcomenistão, Ashgabat, em 11 de outubro.

Ushakov não elaborou sobre a reunião. De fato, isso é uma surpresa, já que os dois líderes programaram se encontrar novamente na cúpula do BRICS, na cidade russa de Kazan, de 22 a 24 de outubro.

Claro, os iranianos também estão sendo discretos. Tanto Moscou quanto Teerã anunciaram que seus presidentes visitariam Ashgabat em 11 de outubro para participar de uma cerimônia marcando o 300º aniversário de nascimento do poeta e pensador turcomano Magtymguly Pyragy. Fumaça e espelhos!

É totalmente concebível que, em meio às crescentes tensões regionais, Moscou e Teerã possam ter pensado em antecipar a assinatura formal do pacto de defesa russo-iraniano, originalmente programado para acontecer em Kazan.

Se for assim, o evento de sexta-feira será semelhante à visita não programada do então ministro das Relações Exteriores soviético, Andrei Gromyko, a Nova Délhi para a assinatura do histórico Tratado de Paz, Amizade e Cooperação entre Índia e URSS, em 9 de agosto de 1971.

Curiosamente, Ushakov acrescentou que Putin não tem planos de se encontrar com Netanyahu. Putin ainda não respondeu a um pedido de Netanyahu para uma conversa telefônica, feito há cinco dias. Uma lenda que Netanyahu criou, nos últimos anos, para impressionar seu público doméstico (e confundir as ruas árabes) — de que ele tinha um relacionamento especial com Putin — está desmoronando.

Por outro lado, ao marcar uma reunião urgente em Ashgabat — na verdade, o presidente do Turcomenistão, Serdar Berdimuhamedov, esteve em Moscou apenas na segunda-feira/terça-feira para uma visita de trabalho — o Kremlin está deixando claro para Washington e Tel Aviv que Moscou está irrevogavelmente alinhado com Teerã e ajudará este último, não importa o que for necessário. (Veja, em meu blog, “Crise na Ásia Ocidental leva Biden a quebrar o gelo com Putin”, 5/10/24)

A história não está se repetindo? O Tratado Indo-Soviético de 1971 foi o tratado internacional mais consequente assinado pela Índia desde sua independência. Não foi uma aliança militar. Mas a União Soviética aumentou a capacidade militar da Índia para uma guerra iminente e criou espaço para que o país fortalecesse as bases de sua autonomia estratégica e sua capacidade de ação independente.

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