Publicado originalmente na Carta Maior
POR PAULO METRI
No início do século passado, o Exercito brasileiro, visando a sua modernização, mandou tenentes e capitães fazerem estágio no Exército Imperial Alemão. Assim, foram enviadas três turmas de brasileiros, em 1905, 1908 e 1910. Estes jovens oficiais, ao voltarem, receberam a alcunha de “jovens turcos”, porque militares turcos, que tinham feito o mesmo estágio no Exército Alemão, ao chegarem ao seu país, fizeram um movimento de oposição ao sultanato, que acabou por resultar na proclamação da República em 1923. Nossos estagiários, ao retornarem, buscaram introduzir conceitos lá adquiridos. Todos carregavam o sentimento de brasilidade, pois queriam fazer algo pelo Brasil e pelo povo brasileiro. [1]
Três deles: Bertoldo Klinger, Estêvão Leitão de Carvalho e César Augusto Parga Rodrigues foram os idealizadores da revista “A Defesa Nacional” de teor técnico e militar, capaz de contribuir para a formação do oficialato brasileiro. Ela realmente influenciou gerações do nosso Exército, inclusive sob o ponto de vista político. O objetivo e a orientação dos fundadores desta revista era o de “lutar pelo soerguimento do Exército, pela defesa nacional, pelo desenvolvimento do país e pela formação de uma nação moderna e militarizada, nos moldes das nações europeias, em especial a Alemanha.” [1]
Na primeira metade do século passado, o Coronel Mario Travassos e o General Pedro Aurélio de Góis Monteiro se projetaram como formuladores de propostas para o Exército brasileiro. O Coronel Mario Travassos, aplicando ensinamentos geopolíticos em suas análises, conseguiu influenciar os seus pares. Ele foi colaborador da revista “A Defesa Nacional” desde a sua fundação, chegando ao posto de Redator–Secretário. [2]
O General Góis Monteiro formou uma visão racional sobre o sistema internacional e considerou essa visão como central para o entendimento da participação do Exército na política nacional. Para ele, a paz universal é um mito. A preocupação com a defesa e a preparação para a guerra dominam o modo como as nações conduzem a política exterior, o que, inclusive, orienta a diplomacia. A guerra e a preparação para ela não são resultado apenas das preocupações de defesa das potências, mas também do expansionismo inato delas[1]. [2]
Para o General Góis Monteiro, o intervalo entre os conflitos armados passou a ser dominado pelas lutas intestinas, que visam bloquear as iniciativas da nação com o objetivo de se organizar e se fortalecer e, assim, deixá-la à mercê do imperialismo. [2]
O General Júlio Caetano Horta Barbosa, Presidente do Conselho Nacional do Petróleo, em conferência no Clube Militar, no dia 30 de julho de 1947, disse: “Pesquisa, lavra e refinação (de petróleo), constituem as partes de um todo, cuja posse assegura poder econômico e poder político. Petróleo é bem de uso coletivo, criador de riqueza. Não é admissível conferir a terceiros o exercício de uma atividade que se confunde com a própria soberania nacional. Só o Estado tem qualidades para explorá-lo, em nome e no interesse dos mais altos ideais de um Povo.” [3]
O General Júlio Caetano Horta Barbosa, Presidente do Conselho Nacional do Petróleo, em conferência no Clube Militar, no dia 6 de agosto de 1947, disse: “A Política do petróleo adotada pelo Brasil orientou-se no sentido de satisfazer do melhor modo aos imperativos da defesa nacional – militar e econômica. A legislação correspondente foi reclamada, em fevereiro de 1938, pelo Estado Maior do Exército, chefiado pelo General Pedro Aurélio de Góes Monteiro, sob a alegação da necessidade de salvaguardar nossa soberania. Propôs o órgão militar a nacionalização da indústria do óleo cru, ou o seu monopólio pelo Estado.” [3]
O General Raimundo Sampaio, em artigo na publicação “Emancipação” de 2/2/1949, escreveu: “Nesta ordem de ideias, objetivando a proteção geral de nossos recursos naturais, parece oportuno, que ao lado da campanha em curso, da defesa do petróleo, seja empreendida, desde já, uma ação sistemática no sentido de preservar do perigo de exaustão não só as jazidas de minérios radioativos em geral, como, principalmente, as dos minérios uraníferos e toríferos, cuja exportação sem o mínimo controle técnico se vem realizando, com ampla liberdade, já há vários anos.” [3]
O General José Pessoa, Comandante da Escola Militar do Realengo, disse: “É crime de lesa-Pátria, um atentado e uma ameaça à existência nacional, diante dos exemplos desastrosos de outros países, entregar aos trustes[2] estrangeiros a exploração e o aproveitamento da riqueza petrolífera do Brasil.” [3]
O General Arthur Carnaúba, Presidente da Associação Brasileira de Defesa dos Direitos do Homem, em artigo intitulado “Em Defesa da Liberdade”, escreveu: “Defendamos os princípios liberais da nossa carta política, que são os mesmos que figuram na ‘Declaração Universal dos Direitos do Homem’, adotada e proclamada, em dez de dezembro de 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas!” [4]
O General Felicíssimo Cardoso, Diretor de “Emancipação” e Presidente do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN), escreveu no Prefácio do caderno “Emancipação” de 1952: “No conjunto dos esforços patrióticos pela independência econômica e política do Brasil constituem fator de primeira grandeza as lutas populares contra os trustes imperialistas. O desejo destes é de que nos perpetuemos na condição de semi-colônia, fornecedora de matérias primas a preços baixos e importadora de produtos manufaturados. A vontade do povo, ao contrário, é de que sejamos uma nação verdadeiramente livre, com seu completo parque de indústrias pesadas, seu amplo mercado interno e a terra em mãos dos que realmente nela trabalham.” [4]
O General Leônidas Cardoso, Presidente do Centro Paulista de Defesa do Petróleo, escreveu para a revista “Emancipação”: “Como se vê, a preservação de nossas riquezas estratégicas está intimamente ligada à conquista de nossa independência econômica e ao nosso progresso. Ora, a defesa nacional, a segurança nacional só são possíveis quando há independência econômica, quando há florescimento da economia do país – pois sem indústria nacional não há defesa nacional. (…) O problema das areias monazíticas e demais minerais radioativos e estratégicos é o problema da espoliação de nossas riquezas por alguns consórcios internacionais – os quais atentam contra nossa independência econômica, contra o nosso progresso e contra a defesa nacional, que é nossa missão sagrada de soldados defender.” [4]
Em meados do século passado, era sabido que o Brasil tinha reservas de urânio e tório. Assim, já gerava a cobiça de outros países, tanto que os Estados Unidos (EUA) propuseram à Organização das Nações Unidas (ONU) o Plano Baruch, que previa a internacionalização de minérios radioativos, que ficariam sob a guarda de um organismo da mesma ONU, sobre o qual os EUA tinham ascendência. O nosso representante na Comissão de Energia Atômica desta Organização, o Almirante Álvaro Alberto, ao se contrapor a esta proposta lançou em nome do Brasil a tese das “compensações específicas”, através da qual os minerais radioativos não seriam comercializados através de dinheiro e, sim, com a oferta de compensação, a qual poderia ser, por exemplo, a cessão de tecnologia pelo comprador. A proposta não foi aceita, mas o Plano Baruch também foi arquivado. [5]
O setor nuclear, em muitas situações, suscitou sentimentos de soberania dos nossos governantes. Em 1954, no pós-guerra, o mesmo Almirante Álvaro Alberto mandou fabricar na Alemanha, visando a importação, três centrífugas para enriquecimento de urânio. Este intento foi barrado pela inteligência estadunidense, mas ficou claro o esforço para o Brasil ter uma tecnologia primordial para poder ter navios e submarinos com a propulsão nuclear. [5]
O Brigadeiro Francisco Teixeira tinha as qualidades ideais que um militar deve ter, como compromisso com o desenvolvimento do país, o nacionalismo, a legalidade, a democracia e, dentro da agremiação militar, um comportamento exemplar. Seu compromisso com a legalidade e a democracia o levou a ser perseguido pelos membros do golpe militar de 1964.
Sobre o Marechal-do-Ar Casimiro Montenegro Filho, não é necessário escrever muito. Basta somente dizer que ele idealizou e criou o Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial – DCTA. Chegou a idealizar também a Empresa Brasileira de Aeronáutica – Embraer. A importância destas realizações é suficiente para credenciá-lo como benfeitor da nossa sociedade. Entretanto, a sua competência e obstinação pela realização e a sua visão não acanhada, do tamanho esperado para o Brasil, o elevam à condição de grande estrategista e realizador.
Obviamente, existiram militares que lutaram pela melhoria do bem estar do nosso povo, pela democracia, por um Brasil soberano e demais causas nobres. Tenho em minha defesa o fato deste texto querer mostrar, em caráter de exemplo, que existiram grandes homens, verdadeiros heróis nacionais, dentre nossos militares, sem precisar ser exaustivo. Orgulho-me em poder dizer que tivemos estes militares no nosso país.