Publicado originalmente no GGN
Jair Bolsonaro violou a Constituição ao autorizar a fusão entre a NBR, uma emissora estatal, e a TV Brasil, principal mídia pública do País, conforme anunciado nesta quarta (10).
A Constituição prevê a complementação entre comunicação privada, pública e estatal. Mas juntando os dois organismos numa “nova TV Brasil”, Bolsonaro cria uma máquina de propaganda governamental, inadequada em democracias avançadas.
A avaliação foi feita pela Frente Em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, que emitiu uma nota, ao lado de outras instituições, denunciado a decisão do governo Bolsonaro.
“Na prática, ao juntar as duas emissoras, mesclando programações com finalidades distintas em uma só, o governo enterra o projeto de comunicação pública com foco no cidadão e pautado pela pluralidade, diversidade e independência de conteúdo”, diz a Frente.
Leia a nota completa abaixo.
A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) formalizou nesta terça-feira (9) a unificação da TV Brasil, principal canal público de televisão do país, com a emissora estatal NBR, que veicula atos e informações do governo federal. A medida consta na Portaria nº 216, assinada pelo presidente da empresa pública de comunicação, Alexandre Graziani Jr. O ato, que já havia sido anunciado pelo governo há algumas semanas, constitui-se numa flagrante violação do princípio constitucional da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal de comunicação, expresso no artigo 223 da Carta Magna, e pode indicar prevaricação da direção da empresa. Trata-se de um verdadeiro aparelhamento da emissora pelo governo Jair Bolsonaro, na intenção de criar mera agência de propaganda governamental.
Na prática, ao juntar as duas emissoras, mesclando programações com finalidades distintas em uma só, o governo enterra o projeto de comunicação pública com foco no cidadão e pautado pela pluralidade, diversidade e independência de conteúdo. A “nova” TV Brasil que resulta dessa fusão enxerta, no que deveria ser uma emissora pública, uma programação com forte apelo governamental, tendo boa parte do conteúdo marcadamente chapa-branca, auto-referenciado no governo e sem qualquer tipo de participação social, muito menos autonomia e independência editorial.
Com isso, o Brasil distancia-se ainda mais das paradigmáticas experiências de comunicação pública em países de democracia avançada, nos quais as emissoras públicas buscam desenvolver conteúdos que reflitam a diversidade da população, estimulem a reflexão e o debate público, e apresentem uma variedade de formatos e gêneros, indo além do que é oferecido pelos meios de comunicação comerciais.
Em um toque desfaçatez, a Portaria que unifica emissoras pública e estatal, acabando com a complementaridade entre os dois sistemas, invoca esse mesmo princípio, contido no artigo 223 da Constituição Federal, para justificar a medida, que vai exatamente na contra-mão do que esse dispositivo legal determina. A Portaria ainda desrespeita a própria lei da EBC em vigor, que prevê a “autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão” (inciso VIII, parágrafo 2º, da Lei 11652/2008).
A esse episódio de desmonte, juntam-se outros ataques que a EBC vem sofrendo nos últimos anos, que incluem a extinção do Conselho Curador, colegiado que garantia a participação da sociedade na definição da programação das emissoras públicas, além da eliminação do mandato do diretor-presidente da empresa, mecanismo que assegurava maior autonomia em relação aos governos de plantão. Essas duas mudanças, aliás, já foram consideradas, em nota técnica da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), como inconstitucionais e, portanto, passíveis de questionamento judicial, por enfraquecerem a independência das emissoras públicas e torná-las vulneráveis aos desmandos e manipulação por parte do governo.
A nova programação divulgada pela emissora é mais uma demonstração do desrespeito pela previsão constitucional. Boletins com notícias do governo irão ao ar de hora em hora e ocuparão ao menos 15 minutos do jornal noturno da TV, o Repórter Brasil. O jornal da manhã foi extinto, em seu lugar entrará um noticiário do governo, o “Brasil em Dia”, acompanhado de um semanal de entrevistas com integrantes do governo Bolsonaro. Ainda estão previstos especiais sobre a Marinha e do Exército em plena programação da emissora pública. Em contrapartida, programas como “Estação Plural”, apresentado por pessoas LGBTs, saiu do ar, bem como outros programas de ampla reflexão social.
Além disso, as emissoras da EBC vem sofrendo com fechamento de retransmissoras em diversos estados, sucateamento de equipamentos, censura de matérias ou conteúdos que desagradam o governo, entre outras arbitrariedades que atentam contra o direito à comunicação da população brasileira e violam o exercício da liberdade de expressão, uma garantia básica da democracia.
A Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública repudia mais esse gravíssimo retrocesso e convoca todas as organizações que defendem o direito à comunicação a lutarem, com todas as medidas cabíveis, pela restauração de um projeto de comunicação pública em linha com que preconizam a própria Constituição Federal e as melhores práticas internacionais do mundo democrático. Não nos calaremos.
Brasília, 10 de abril de 2019
Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF)
Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo
Sindicato dos Radialistas do Distrito Federal
Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc Brasil)
Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ)
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