O filho do ex-presidente João Goulart, João Vicente, escreve sobre o “medo do Pelé” e a sua falta de consciência política na ditadura militar. O relato está no livro “Jango e eu: memórias de um exílio sem volta” de 2016.
Jango e Pelé
Certa vez a seleção brasileira estava em Montevidéu, hospedada no Hotel Plaza na Plaza Independencia, para um amistoso contra a seleção uruguaia, e os jogadores, então, decidiram ir ao nosso apartamento na Leyenda Patria para levar um abraço do Brasil ao meu pai.
Lembro que foi uma festa para os meus amigos, todos queriam ir lá. O capitão Wilson Piazza disse a meu pai: – Presidente, como vai? Os jogadores queriam vir aqui lhe trazer um abraço. Viemos almoçar no Cangaceiro e resolvemos todos vir até aqui convidá-lo para assistir ao jogo de quarta à noite.
– Eu te agradeço muito, Piazza. Isso para quem está longe de seu país é um gesto inesquecível – disse Jango, sorrindo e com um olhar muito doce.
Piazza, que era uma pessoa bem esclarecida, foi logo se desculpando. Jango não sabia do que se tratava e perguntou: – Mas o que houve, Piazza? Estou muito contente com a presença de vocês.
– Pois é, presidente, mas peço desculpas pela ausência de nosso Pelé. Ele disse que estava indisposto. Ele é muito medroso nessas questões e tem receio de ser mal interpretado pelos militares brasileiros.
– Não te preocupes, capitão. Só a presença de todos vocês aqui já me deixa muito orgulhoso, e tua coragem mais ainda.
Meu pai entendeu o medo do Pelé, mas eu, não. Só vim a entender depois, porque, na época, mesmo sendo ele um grande ídolo do futebol brasileiro, disse não se importar que o Brasil não tivesse eleições para presidente, governadores, senadores etc., porque o povo brasileiro não sabia votar mesmo. E essa era a mesma justificativa usada pela ditadura.