Joanna Maranhão foi vítima da cultura do ódio. Por Nathali Macedo

Atualizado em 10 de agosto de 2016 às 23:48
Joanna
“A nadadora Joanna Maranhão não foi alvo de ‘enxurrada de críticas’, como tem anunciado uma mídia eufemista. Ela foi vítima da cultura do ódio”.

Vivemos Olimpíadas políticas. Uma mulher preta ganhando o primeiro ouro, uma mulher trans participando da abertura dos jogos, atletas lésbicas sendo pedidas em casamento nos bastidores, e o ódio da direita brasileira tomando forma, mais uma vez, diante de nossos olhos.

A nadadora Joanna Maranhão, conhecida por posicionar-se politicamente, não foi alvo de “enxurrada de críticas”, como tem anunciado uma mídia eufemista. Ela foi vítima da cultura do ódio.

“Tribufu derrotada”, “você não representa o Brasil, representa o PT”, “você e as feministas se merecem”, “mereceu ser estuprada” e “espero que se afogue na piscina” são só exemplos representativos dos comentários coletados na página da nadadora no Facebook.

Nada diferente do “vagabunda petista” que a própria Joanna ouviu numa ciclovia quando reclamou de um carro estacionado em local proibido, nada diferente do “você é puta” dirigido a Sabatella recentemente, nada diferente do “você é um merda” dito a Chico no Leblon, dos comentários odiosos nas páginas de Jean Wyllys, Duvivier e do próprio DCM e envolvidos.

Eis o mais óbvio do ódio à esquerda: lutar por igualdade, democracia e respeito à diversidade é o mesmo que ser petista (se você é uma mulher, é o mesmo que ser uma vagabunda).

Mas não é de hoje que a cultura do ódio tem ultrapassado fronteiras políticas.

É preciso muita insensibilidade – perceba que não estamos falando de posicionamento político, estamos falando de humanidade – para dizer a uma vítima de estupro como Joanna Maranhão, que ainda lida como pode com o trauma, que ela merecia ser estuprada novamente ou, quem sabe, morrer afogada enquanto treina.

Mesmo que “petistas” – traduza-se: gente que luta por um país melhor e não compactua com posicionamentos sexistas e homofóbicos –  sejam a coisa mais terrível do mundo para uma direita ensandecida, nada justifica tanto ódio. Nem um posicionamento político equivocado justifica o prazer mórbido de escarafunchar a ferida de outro ser humano, de agredi-lo das maneiras mais cruéis possíveis.

Joanna anunciou que processará os haters e utilizará o dinheiro das indenizações para potencializar as Ações da ONG Infância Livre, com a qual colabora: “O ódio de vocês será revertido para uma boa causa: combate à pedofilia”.

Depois desta resposta serena e altiva, os haters foram escarafunchar o Twitter de Joanna, numa ridícula tentativa de justificar os ataques de ódio à nadadora. Encontraram um tweet de cinco anos atrás em que ela dizia que uma mulher trans jamais seria mulher.

Contemplemos a prova mais esdrúxula do mau-caratismo: tentar colocar a vítima de um linchamento virtual no lugar de culpada ou, no mínimo, merecedora dos ataques, como se qualquer coisa no mundo pudesse justificar que se deseje a morte ou a desgraça de alguém.

Ela errou, é verdade, como já erramos todos nós – nós que lutamos pela democracia e pela cultura, nós que não acreditamos em meritocracia, nós que ocupamos e resistimos, nós que não alimentamos o ódio (vagabundas e vagabundos petistas, segundo a direita), mas que, em algum momento de nossas vidas, fomos ignorantes ou insensíveis a essas causas.

Isso é o que chamamos de desconstrução: usar a empatia para perceber que discursos preconceituosos ferem o outro e, a partir desta constatação, rever os próprios conceitos, coisa que a direita brasileira se recusa a fazer. Eis, portanto, a diferença entre os corações cheios de ódio e os justos por natureza.

Joanna provou diversas vezes que já não é a mesma mulher de cinco anos atrás. Posicionar-se politicamente mesmo sabendo que isso poderia prejudicá-la e torná-la um alvo fácil da direita predadora é a maior prova de todas. Ela nem mesmo precisava se desculpar pelos equívocos do passado. A mulher que ela se tornou a redime.