Vivemos Olimpíadas políticas. Uma mulher preta ganhando o primeiro ouro, uma mulher trans participando da abertura dos jogos, atletas lésbicas sendo pedidas em casamento nos bastidores, e o ódio da direita brasileira tomando forma, mais uma vez, diante de nossos olhos.
A nadadora Joanna Maranhão, conhecida por posicionar-se politicamente, não foi alvo de “enxurrada de críticas”, como tem anunciado uma mídia eufemista. Ela foi vítima da cultura do ódio.
“Tribufu derrotada”, “você não representa o Brasil, representa o PT”, “você e as feministas se merecem”, “mereceu ser estuprada” e “espero que se afogue na piscina” são só exemplos representativos dos comentários coletados na página da nadadora no Facebook.
Nada diferente do “vagabunda petista” que a própria Joanna ouviu numa ciclovia quando reclamou de um carro estacionado em local proibido, nada diferente do “você é puta” dirigido a Sabatella recentemente, nada diferente do “você é um merda” dito a Chico no Leblon, dos comentários odiosos nas páginas de Jean Wyllys, Duvivier e do próprio DCM e envolvidos.
Eis o mais óbvio do ódio à esquerda: lutar por igualdade, democracia e respeito à diversidade é o mesmo que ser petista (se você é uma mulher, é o mesmo que ser uma vagabunda).
Mas não é de hoje que a cultura do ódio tem ultrapassado fronteiras políticas.
É preciso muita insensibilidade – perceba que não estamos falando de posicionamento político, estamos falando de humanidade – para dizer a uma vítima de estupro como Joanna Maranhão, que ainda lida como pode com o trauma, que ela merecia ser estuprada novamente ou, quem sabe, morrer afogada enquanto treina.
Mesmo que “petistas” – traduza-se: gente que luta por um país melhor e não compactua com posicionamentos sexistas e homofóbicos – sejam a coisa mais terrível do mundo para uma direita ensandecida, nada justifica tanto ódio. Nem um posicionamento político equivocado justifica o prazer mórbido de escarafunchar a ferida de outro ser humano, de agredi-lo das maneiras mais cruéis possíveis.
Joanna anunciou que processará os haters e utilizará o dinheiro das indenizações para potencializar as Ações da ONG Infância Livre, com a qual colabora: “O ódio de vocês será revertido para uma boa causa: combate à pedofilia”.
Depois desta resposta serena e altiva, os haters foram escarafunchar o Twitter de Joanna, numa ridícula tentativa de justificar os ataques de ódio à nadadora. Encontraram um tweet de cinco anos atrás em que ela dizia que uma mulher trans jamais seria mulher.
Contemplemos a prova mais esdrúxula do mau-caratismo: tentar colocar a vítima de um linchamento virtual no lugar de culpada ou, no mínimo, merecedora dos ataques, como se qualquer coisa no mundo pudesse justificar que se deseje a morte ou a desgraça de alguém.
Ela errou, é verdade, como já erramos todos nós – nós que lutamos pela democracia e pela cultura, nós que não acreditamos em meritocracia, nós que ocupamos e resistimos, nós que não alimentamos o ódio (vagabundas e vagabundos petistas, segundo a direita), mas que, em algum momento de nossas vidas, fomos ignorantes ou insensíveis a essas causas.
Isso é o que chamamos de desconstrução: usar a empatia para perceber que discursos preconceituosos ferem o outro e, a partir desta constatação, rever os próprios conceitos, coisa que a direita brasileira se recusa a fazer. Eis, portanto, a diferença entre os corações cheios de ódio e os justos por natureza.
Joanna provou diversas vezes que já não é a mesma mulher de cinco anos atrás. Posicionar-se politicamente mesmo sabendo que isso poderia prejudicá-la e torná-la um alvo fácil da direita predadora é a maior prova de todas. Ela nem mesmo precisava se desculpar pelos equívocos do passado. A mulher que ela se tornou a redime.