PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BLOG DO AUTOR.
O tom geral dos registros sobre a morte de João Gilberto é o esperado. O de um fim, não só de um gênio, de uma música ou de uma arte, com as suas referências todas, mas de um país que se esvai, que vai deixando de existir nas suas delicadezas, na complexidade do que parece simples, e que é trocado pela brutalização quase generalizada.
E aí pensei num texto distante, nem sei de quando, do Luís Augusto Fischer, em que ele escreve na Ilustrada da Folha sobre o que seria o começo da morte da canção nesse formato consagrado por gente da grandeza do João Gilberto, em que uma letra ganha sentido com uma música, e a arte nos salva de outra coisa que poderia ser, e aí não seria arte, se não existisse um João Gilberto.
Não me arrisco a fazer um resumo hoje do texto do Fischer, até porque depois disso ele mesmo organizou um livro em que exalta a canção, e Bob Dylan ganhou o Nobel como poeta que transforma o que escreve em música, e isso é considerado literatura, e sabemos que é.
E aí fiquei agora há pouco diante de um comentário, que li num post do meu amigo César Fraga, sobre o show do João Gilberto em Porto Alegre em 1996 no Araújo Vianna, Era a primeira vez que ele se apresentava aqui depois de ter morado no Hotel Majestic nos anos 50.
O Fraga fala do show inesquecível, e eu leio logo abaixo o comentário de outro amigo, o alegretense Auri Marques, que diz assim:
“Chovia muito e antes do show, ao meu lado, um bebum falava alto e perturbava. E eu preocupado com o comportamento dele sabendo o nível de exigência do João Gilberto. Mas o cara sabia das coisas e ficou quietinho durante o show”.
Acho que é o melhor de todos os comentários. Morre João Gilberto, vai desaparecendo a canção com o formato que ele consagrou e que inspirou meio mundo, o Brasil se esvai e somem até os chatos que sabiam, no momento certo, aquietarem-se para a reverência a João Gilberto.
Não temos mais nem bêbados como aqueles que silenciavam na hora certa.