Seu discurso foi uma lição de como tratar uma fofoca que não interessa a ninguém
Jodie Foster saiu do armário na festa do Globo de Ouro 2013. Saiu?? Em seu discurso para receber um prêmio pelo conjunto da obra, ela disse: “Eu já assumi há mil anos, na Idade da Pedra”. E então começou sua defesa sobre a privacidade (ali mesmo, no lugar menos privado possível). Ela já escreveu sobre os percalços da fama e a dureza de viver cercada de paparazzi num artigo sobre sua amiga e ex-protegée Kristen Stewart, que o Diário comentou. Na noite do Globo de Ouro, ela se declarou, finalmente… solteira. Em seguida, dedicou algumas palavras a um dos “grandes amores de sua vida”, sua “parceira heroica e irmã” Cydney Bernard. “Minha confidente, conselheira, mais querida BFF (Best friend forever) há 20 anos”. Também fez um agradecimento emocionado a sua mãe, que está senil (e, aliás, vivia com outra mulher).
Foi hábil e envolvente. Ela assumiu sem dizer, uma única vez, que era gay. Usou uma figura de retórica chamada occultatio, em que se faz a alusão a um assunto sem mencioná-lo diretamente (por exemplo, “Serra, eu não vou falar que você precisa pendurar as chuteiras”). Tratou como um fato consumado o que era meio segredo, sem necessariamente fazer disso uma grande revelação. Até porque não é. Nos últimos anos, Jodie tem frequentado o que a revista especializada Out define como “armário de vidro”: ela apareceu publicamente várias vezes com Cydney, com quem criou os dois filhos, antes de se separar.
Não ritualizou num programa de televisão. Tratou como algo normal. Deu uma não-notícia. Furou as revistas de fofocas. Para um público adulto, não faz a menor diferença se Jodie Foster é homossexual, mas se é uma boa atriz, diretora etc.
É um avanço. Outros atores também tentaram banalizar o que seria, anos atrás, uma revelação incrível. Victor Garber (Titanic) deu uma entrevista em que lhe perguntaram se era gay. Pareceu surpreso. “Eu não falo sobre isso porque todo mundo sabe”, disse. “Meu companheiro Rainer Andreen e eu estamos juntos há 13 anos no Greenwich Village. Nós amamos Nova York”. Jim Parsons, o Sheldon Cooper de Big Bang Theory, admitiu que é gay no New York Times – numa linha de uma longa matéria sobre a peça que está encenando na Broadway. E vida que segue.
(Por aqui, o ator José de Abreu disse para a Folha que era bissexual e se disse surpreso com a repercussão. Depois se corrigiu no Twitter, falando que não era bi, era “poli”. E então a coisa virou um bazar no Twitter).
Jodie Foster procurou esvaziar a fofoca. O que ela está dizendo, no fundo, parece óbvio: ela pode e deve ser julgada pelo que interessa: sua carreira. E, claro, por gostar tanto do Mel Gibson.