Publicado na coluna de Julio Gomes
“Nem Jesus Cristo conseguiu unanimidade”, disse um dia Felipão, após uma convocação qualquer. Imaginem só Jorge Jesus, depois do que disse hoje.
Após o exemplar abandono de campo promovido por jogadores do PSG e do Istanbul Basaksehir, ontem, na Liga dos Campeões, o atual técnico do Benfica foi questionado sobre o tema.
“Bem, eu não sei… não estava lá. Não sei o que aconteceu, o que se falou, o que se diz, mas hoje está muito na moda isso do racismo. Como cidadão tenho direto de pensar à minha maneira e só posso ter uma opinião concreta se souber o que se disse naquele momento. Porque hoje qualquer coisa que se possa dizer contra um negro é sempre sinal de racismo. Se se pode dizer-se o mesmo contra um branco, já não é sinal de racismo. Está-se a implantar essa onda no mundo… “. (O vídeo está aqui abaixo).
Jorge Jesus: "Está muito na moda isso do racismo. Hoje qualquer coisa que se possa dizer… Contra um negro é sempre sinal de racismo, se for contra um branco já não é sinal de racismo." pic.twitter.com/Tk9pmCSnW8
— B24 (@B24PT) December 9, 2020
Jorge Jesus, como não poderia deixar de ser, está sendo massacrado nas redes sociais portuguesas e na mídia europeia. O discurso dele é velho conhecido. O racismo disfarçado de simples “passada de pano”. Desconfie de todo branco que bradar sobre “racismo invertido”. O discurso de Jorge Jesus poderia muito bem ter sido reproduzido por Donald Trump ou outros presidentes por aí, seja de Repúblicas, seja de “Nações”, se é que vocês me entendem.
Talvez isso explique por que Jesus tenha se sentido tão em casa por essas bandas, onde o racismo é estrutural e sufocante, enquanto na Europa ele existe, está lá, mas de forma mais velada e hipócrita.
Jorge Jesus não foi embora do Brasil por causa da pandemia, como muitos inocentes acreditam. Foi embora porque ele se acha bom o suficiente para estar em um clube importante, da primeira prateleira europeia, tipo Real Madrid, Barcelona, Premier League. E percebeu que poderia ganhar tudo no Flamengo que não adiantaria. Ele precisava da exposição da Champions League, estar no mercado da elite.
O primeiro tropeço veio com a não classificação do Benfica para Champions, eliminado pelo Paok, vejam só, de um tal Abel Ferreira – não, Jesus não é o único técnico português bom por aí.
O segundo tropeço, e acho que definitivo, vem agora, com o que Jesus acaba de dizer sobre racismo. Ele acaba de fechar completamente as portas para a Europa – ou pelo menos para a elite da qual ele acha que deveria fazer parte. Eu não me espantaria nem mesmo se o próprio Benfica tomasse uma atitude.
Jorge Jesus é muito bom no que faz. Já mostrou isso em Portugal e mostrou isso aqui no Brasil, onde foi importante para abrir os olhos de muita gente e nos mostrar o quão atrasados estamos em alguns aspectos do esporte. Mas não basta ser bom nem ótimo. Nos dias de hoje, somos um pacote completo. Nossas virtudes e defeitos estão escancarados para todos verem.
Jesus sempre terá as portas abertas aqui no Brasil, por exemplo, até porque aqui os passadores de pano seguem no comando de quase tudo. O que ele disse hoje, no entanto, irá sempre assombrá-lo em mercados como o inglês.
Há coisas que achamos e há coisas que falamos. Eu mesmo, com este texto, certamente estou fechando portas. É possível que nunca entreviste Jorge Jesus na minha vida por chamá-lo de idiota. São decisões que tomamos, caminhos que traçamos, escolhas que fazemos.
Espero que a repercussão faça Jorge Jesus refletir. É sempre possível deixar de ser racista, deixar de ser idiota. O tempo e o intercâmbio de ideias e impressões nos fazem ver coisas em nós mesmos que não víamos. Há os que preferem viver em negação, há os que preferem evoluir. Eu tento fazer parte do segundo time.
Vem também para este time, Jorge Jesus. E deixe de ser parvo.