Jornal americano dá a atenção à morte de amazonense que Bolsonaro foi incapaz. Por Fernando Brito

Atualizado em 25 de julho de 2020 às 11:51
Jair Bolsonaro. | Photo: AFP

PUBLICADO NO TIJOLAÇO

POR FERNANDO BRITO

Leitura – e visão – imperdível nesta manhã de sábado a reportagem do The New York Times sobre o drama dos efeitos do novo coronavírus na Amazônia, com fotografias impressionantes de Tyler Hicks, vencedor do Prêmio Pulitzer de Fotografia de 2014 e com vasta experiência em coberturas de guerras e dramas himanos. Curiosamente, Tyler nas ceu em São Paulo, embora tenha se formado em Boston e viva hoje no Quênia. Os textos são de Julie Turkevitz e da repórter brasileira Manuela Andreoni, com gráficos animados de Jeremy White.

O desespero de famílias como a de Gertrude do Santos – a da foto – é descrito com crua delicadeza na publicação, que está aberta ao acesso público:

Gertrude Ferreira Dos Santos morava no extremo leste da cidade [de Manaus], em um bairro pressionado contra a água. Ela costumava dizer que sua coisa favorita no mundo era viajar de barco pelo rio. Com a brisa no rosto, ela se sentia livre.
Então, em maio, a senhora dos Santos, 54 anos, adoeceu. Dias depois, ela chamou seus filhos para a cama, fazendo-os prometerem ficar juntos. Ela parecia saber que estava prestes a morrer.
As equipes funerárias trabalhavam dia e noite para coletar corpos, incluindo o da Sra. Dos Santos. Muitas pessoas com sintomas do vírus preferem ficar em casa, com medo do hospital e morrendo sozinhas.
Houve tantas mortes em Manaus que a cidade cortou novos cemitérios da floresta densa.
Eduany, 22 anos, sua filha mais nova, ficou com ela naquela noite. No início da manhã, quando Eduany se levantou para fazer uma pausa, sua irmã Elen, 28 anos, implorou para que ela voltasse. A mãe deles parou de respirar. As irmãs, desesperadas, tentaram ressuscitar boca a boca. Às 6 horas da manhã, com o sol nascendo sobre a cidade, a Sra. Dos Santos morreu em seus braços.
Quando homens de traje de proteção branco chegaram mais tarde para levar seu corpo, as irmãs começaram a lamentar.
Dos Santos era mãe solteira. A vida nem sempre foi fácil. Mas ela tinha mantido um sentimento de encantamento, algo que suas filhas admiravam. “Em tudo o que ela fez”, disse Elen, “ela estava alegre.”
O atestado de óbito de sua mãe listou muitas condições subjacentes, incluindo problemas respiratórios de longa data, de acordo com as mulheres. Ele também listou insuficiência respiratória, indicador importante de que uma pessoa morreu devido ao coronavírus.
Mas suas filhas não acreditavam que ela era vítima da pandemia. Certamente ela havia morrido de outras causas, disseram eles. Deus não teria dado a ela uma doença tão feia.

Gertrude é uma das mais de 85 mil pessoas que se foram para esta doença tão feia e sua família mereceu de um jornal norte-americano a atenção à sua dor.

Do presidente de seu país, apenas um “e daí? Vai morrer gente, mesmo”.