Publicado originalmente no De Olho Nos Ruralistas:
Por Bruno Stankevicius Bassi e Leonardo Fuhrmann
Como recuperar a imagem de um setor cada vez mais associado ao desmatamento e crimes ambientais? A resposta para executivos e líderes ruralistas é simples: jornalismo. A nova estratégia do agronegócio, no entanto, vai além do tradicional fomento a veículos de imprensa ou editorias próprias. Com a ascensão dos jornalistas-influenciadores, associações e empresas do setor vêm apostando no uso de jornalistas renomados como porta-vozes.
Pioneiro no “nicho”, o apresentador William Waack atua como mediador no Congresso Brasileiro do Agronegócio (CBA) desde 2012. Atualmente na CNN Brasil, o âncora foi demitido da Rede Globo em 2017 após o vazamento de um vídeo em que aparecia fazendo comentários racistas. Além da mediação de eventos, Waack tornou-se um defensor recorrente do setor. Em sua coluna semanal no Estadão, o âncora dispara críticas ao governo de Jair Bolsonaro que, segundo ele, tem feito pouco para melhorar a imagem externa do agronegócio brasileiro em relação a temas ambientais e ao uso de agrotóxicos.
Postura bastante diferente do colega de emissora Alexandre Garcia, escalado este ano para as feiras AgroBrasília e Megacana Tech Show. Em sua coluna de opinião no Canal Rural, o ex-global adota um tom ufanista em relação ao setor e ao governo, similar ao de Augusto Nunes, colunista da revista Veja e comentarista da TV Record e da rádio Jovem Pan. “Palestrante master” da última edição da feira Show Safra, o ex-comandante da bancada do Roda Viva, da TV Cultura, jornalista com passagens de destaque na Veja e no Estadão, onde foi diretor de redação, também já participou do Congresso Brasileiro do Agronegócio como mediador.
Em sua 19ª edição, realizada nesta segunda-feira (03) o congresso anual da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), promovido também pela B3, aposta há anos na credibilidade de profissionais da imprensa e vem se consolidando como principal evento do setor. Desde 2002, participaram do encontro jornalistas de diversos espectros políticos, como Sônia Racy, Arnaldo Jabor, Gerson Camarotti, Heródoto Barbeiro, Celso Ming e Carlos Alberto Sardenberg e o falecido Paulo Henrique Amorim.
Nomes “globais” estrelam campanhas do agro
Após encerrar sua passagem de 24 anos na Rede Globo — dos quais, dezoito como apresentador do Fantástico —, Zeca Camargo foi um dos vários globais que migraram para o campo do entretenimento. Mas se valendo também de sua imagem como jornalista. E acaba de se tornar a mais nova estrela do agronegócio. No início de julho, pouco antes de anunciar sua contratação como diretor artístico da Band, ele estreou um um programa no portal UOL sobre segurança alimentar, onde os entrevistados defendem o uso de agrotóxicos e sementes transgênicas.
Uma nota abaixo do vídeo informa que o conteúdo não é jornalístico, mas uma propaganda da CropLife Brasil, organização que reúne fabricantes de pesticidas e organismos geneticamente modificados e uma das patrocinadoras — como mostrou ontem o De Olho nos Ruralistas — do congresso da Abag: “Gigantes dos agrotóxicos são principais financiadores de Congresso Brasileiro do Agronegócio“.
Historicamente, profissionais do núcleo jornalístico da Rede Globo são proibidos de participar de anúncios publicitários. Essa restrição provocou uma punição ao então apresentador do Jornal Hoje Dony de Nucci, em 2019, após aparecer como garoto-propaganda do Bradesco (financiador, por sinal, do congresso da Abag) em um vídeo institucional do banco. Pelo mesmo motivo, os apresentadores Evaristo Costa e Carla Vilhena e a comentarista econômica Mara Luquet haviam deixado a emissora no ano anterior.
Com um prestígio ainda maior na emissora e junto ao público, a jornalista Fátima Bernardes tornou-se queridinha dos publicitários sem ter de deixar o Projac. Conhecida nacionalmente como âncora do Jornal Nacional, ao lado do então marido, William Bonner, Fátima migrou para o núcleo artístico da Globo em 2012, para apresentar um programa matinal, o Encontro, de entretenimento.
Dois anos depois, ela estreou como garota-propaganda da Seara, uma das marcas da JBS, com quem trabalhou durante três anos. Quando foi anunciada sua contratação, o publicitário Washington Olivetto, autor dos comerciais, disse que as peças uniriam a credibilidade do jornalismo com o impacto da propaganda. Segundo Ricardo Feltrin, no UOL, o cachê da Fátima foi de R$ 3 milhões.
Junto à Ford e à própria Rede Globo, a Seara patrocina a campanha O Agro é Pop, que rendeu prêmios e homenagens da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA).
Jornalistas engordam renda com palestras e media training
Apesar das restrições para vinculação da imagem de apresentadores e repórteres a produtos ou serviços, não existem impeditivos para a contratação de palestras, treinamentos de mídia — mais conhecidos no meio pelo nome em inglês, media trainings — e mediações de debates, que nos últimos anos converteram-se em uma fonte importante de renda para os profissionais da imprensa.
Principal empresa do segmento, a DMT Palestras conta em seu portfólio com nomes conhecidos do jornalismo brasileiro, como Merval Pereira, d’O Globo, Reinado Azevedo, da Band, e Vera Magalhães, do Estadão e do Roda Viva, além do time completo de apresentadores da Globo News, com Christiane Pelajo, Heraldo Pereira, Renata Lo Prete, Natuza Nery e Marcelo Cosme. Isto ainda não significa que cada um desses jornalistas faça a defesa de um setor da economia, como o agronegócio.
Só que, entre seus temas, a agência conta com um braço setorial específico para agronegócio. Ali, empresas do setor podem contratar a apresentadora Giuliana Morrone, do Bom-Dia Brasil, para falar sobre cenários e tendências do agronegócio. Também podem chamar o comentarista político da Globo News, Gerson Camarotti, ou o colunista Demétrio Magnoli, da Folha, para analisar os cenários político-econômicos e seus impactos nas exportações. Além, é claro, do tradicional aliado William Waack.
Além deles, a DMT conta com o apresentador do Bom Dia São Paulo, Rodrigo Bocardi, que em 2017 realizou uma palestra na multinacional Monsanto (atual Bayer), expoente dos transgênicos. Pela Prisma Palestras, Roberto Kovalick, do Hora Um, falou na Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef).
Outros modelos agrícolas acabam sendo escanteados
Mais do que uma parceria, a união entre imprensa e agronegócio é umbilical e um dos temas estruturantes do De Olho nos Ruralistas. Em 2018, o observatório lançou a campanha Riquezas São Diferentes, uma série de quatro vídeos questionando alguns dos argumentos utilizados pela campanha O Agro é Pop (é Tech, é Tudo), da Globo.
Essas coberturas não levam em conta a diversidade dos modelos agrícolas, como a agroecologia, o modo de vida indígena e o universo camponês. Eles não costumam, na grande imprensa, ser apontados como alternativas ao modelo dominante, baseado em monocultura e uso de agrotóxicos e transgênicos, por exemplo, com uma lógica expansionista, a do capital, em relação ao território e os recursos naturais.
A emissora carioca não é a única gigante da comunicação a cortejar o setor. Dono da Band e dos canais Terra Viva e AgroMais, Johnny Saad foi um dos personagens da série de reportagens sobre a faceta agrária do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: “FHC, o Fazendeiro – Imprensa: Jovelino Mineiro foi um dos fundadores do canal Terra Viva, da Band“.
Entre os jornais, o Grupo Estado realiza desde 2015 o encontro Estadão Summit Agronegócio, enquanto a Folha criou, em 2017, um curso de formação de jornalistas em Agronegócio e Sustentabilidade. Antigas editorias de agricultura ou agropecuária passaram a ser editorias de agronegócio. Assim como as revistas especializadas.
A credibilidade emprestada por jornalistas também inspira iniciativas internacionais, como o Encontro Internacional de Jornalistas Agrícolas, trazido para o Brasil em abril de 2019 pela Federação Internacional de Jornalistas Agrícolas (IFAJ), com a colaboração da Rede Brasil de Jornalistas Agro.
O evento contou com patrocínio da Syngenta, fabricante suíça de agrotóxicos recentemente comprada pela chinesa ChemChina, e da Cobb-Vantress, grupo estadunidense de genética avícola.
Sobre Zeca, UOL diz que conteúdo é de marca, não jornalismo
Procurado pela reportagem, por causa do conteúdo estrelado por Zeca Camargo, o UOL enviou a seguinte nota:
— O UOL esclarece que o conteúdo “Do Campo à Mesa” é produzido pelo departamento de Content_Lab, braço de conteúdo para marcas do UOL Ad_LaB que oferece soluções completas de publicidade. Preocupado com a transparência junto aos seus leitores, todo conteúdo produzido pelo Content_Lab é sempre claramente identificado como conteúdo de marca, a sinalização se encontra na URL e no topo da página, além de um texto em negrito no pé da página que especifica que o conteúdo não pertence ao conteúdo jornalístico do UOL. O UOL reforça que publieditorial é um formato amplamente utilizado por todos veículos de mídia, não apenas na internet, mas também pela mídia impressa, televisiva e radiofônica.