José Padilha e o outono dos bolsonaristas arrependidos. Por Moisés Mendes

Atualizado em 24 de abril de 2019 às 7:22
O diretor José Padilha (Jaimie Trueblood/Netflix)

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BLOG DO AUTOR

(Meu texto quinzenal no jornal online Extra Classe)

Este será para sempre o outono do bolsonarista arrependido. Caem as folhas, as ilusões e as máscaras de quem se diz enganado pelos apelos do ódio e do falso moralismo. O cineasta José Padilha puxou a ladainha, desplugando-se do ex-juiz Sergio Moro e da extrema direita que tanto proveito tirou das suas ‘artes’ e das suas falas contra Lula e as esquerdas.

Admite-se que, na era das ignorâncias, milhões foram mesmo manipulados pelo bolsonarismo, ou a eleição teria outro resultado. Mas dá pra admitir que gente da estatura de um José Padilha possa ter sido enganada?

Não dá. O que se tem hoje é a repetição de uma praga que acometeu o mundo no final dos anos 90 e início dos anos 2000. O pedido de desculpas como espetáculo. Ficou charmoso pedir desculpas e preservar imagens e negócios.

Podiam fazer como fez o ator e diretor Mel Gibson depois de flagrado dirigindo bêbado. Gibson atacou os judeus como culpados pelos males do mundo. Dias depois pediu desculpas. Seu caso é emblemático.

Escritores, pensadores, professores, celebridades apareciam teatralmente pedindo desculpas por agressões, erros e bobagens. O pedido de desculpas era o show. Por algum tempo, a pretensa penitência passou a se sobrepor ao delito. Tivemos belas performances de arrependimentos, até que os americanos passaram a fazer um apelo: parem de pedir desculpas.

Nós também poderemos apelar aos bolsonaristas: recolham-se às suas culpas, reavaliem suas condutas e retomem o caminho que acham certo, mas não venham com a conversa de que foram enganados. Não façam teatro.

José Padilha, por exemplo, conhece como poucos o mundo mafioso das milícias cariocas. Mas só agora se deu conta de que Sergio Moro aceitou ser ministro para compartilhar no poder os mesmos espaços institucionais ocupados por amigos de milicianos.

Só agora Padilha e outros assemelhados se deram conta de que Moro não era o que pensavam. Desculpando-se pelo engano que tiveram com Sergio Moro, os arrependidos empurram todos seus erros para a conta do ex-juiz.

O arrependido prefere ser visto como um imbecil que acreditou no bolsonarismo a ter de confessar que foi um bolsonarista assumido, um pregador da extrema direita que agora tenta saltar fora e salvar relacionamentos, interesses, amizades, afetos ou a própria alma.

O bolsonarista arrependido (quem não tem um na família ou no trabalho?) ainda é, na maioria, um ser constrangido. Mas ele vai desabafar. Em pouco mais de dois meses, Bolsonaro perdeu um terço do apoio dos eleitores. Perde apoio entre empresários (todo dia os jornais publicam uma entrevista com algum desiludido) e dos aliados no Congresso.

O contingente de arrependidos agrega antigos apoios externos, como parte da imprensa internacional dita liberal que agora ataca os desatinos do eleito. Americanos de fato liberais e ligados ao partido Democrata avisam: não queremos esse cara por perto.

O bolsonarismo está morto, é uma fé-doença no purgatório. Começa agora o debate sobre como acolher os desiludidos, como entendê-los e reencaminhá-los para a aceitação da derrota.

Há quem entenda que um bolsonarista juramentado, que assumiu posição de liderança militante, não tem o direito ao perdão. Quem estimulou o ódio e a discriminação, quem debochou de negros, gays e índios, quem incentivou atitudes machistas inspiradoras do assassinato de mulheres – todos esses deveriam assumir os custos das suas escolhas.

Apoiadores do golpe de 64 abandonaram a ditadura quando tomaram conhecimento das suas crueldades. Foram quase sempre gestos sinceros de opção pela democracia e pela verdade. Não há semelhança com o gesto de José Padilha.

Padilha sabia, desde quando dirigiu um filme contra Lula, que estava engajado como artista à militância de um projeto de destruição do ex-presidente. E que Moro era o operador do esquema no Judiciário. Mesmo assim, foi em frente.

Agora, confessa ingenuidade, apresentando-se como um pobre ignorante diante das armadilhas da inquisição da direita dos juízes e dos milicianos. Não há como acreditar que Padilha e outros sejam imbecis manipulados, como os milhões que votaram em Bolsonaro por ignorância.

Arrependidos não são homogêneos, eles formam categorias diversas. Dia desses falei com um arrependido que me comoveu. Um serralheiro da zona sul de Porto Alegre, que procura alguém que compre sua fábrica de portas e janelas de alumínio.

Um homem que viu sua clientela sumir, que admite ter votado errado, que vai falando do que se passou na sua vida nos últimos meses e enfim admite: seu negócio quase não existe mais, numa área tomada por cartazes de ‘Aluga-se’. E ele sempre foi serralheiro.

Esse arrependido, que votou na aposta da “mudança radical” (foi o que ele me disse) é um enganado clássico. Os outros, os que ganharam dinheiro fazendo propaganda da caçada às esquerdas, que procurem o conforto dos ex-parceiros.

Eu acolho o sentimento de frustração do meu vizinho serralheiro, de amigos e parentes dos quais me dispersei, de alguns apenas conhecidos de longe e de um ou outro antiPT arrependido. Mas não quero a parceria de gente como José Padilha.

Nem se ele admitir que se arrepende de ter feito um filme panfletário contra Lula para exaltar o juiz que, segundo ele mesmo, agora propõe medidas que favorecem o crime e os milicianos. Só otários podem acreditar que Padilha foi apenas um otário.