Quando você entra numa redação, acha que pode mudar o mundo. Com o tempo, percebe que pode mudar você próprio, e isso já é o suficiente.
O mal maior do jornalista novo é a pretensão. Nelson Rodrigues, numa frase clássica, recomendou aos jovens: “Envelheçam.” É uma sugestão especialmente boa para os jornalistas.
Quando mais experiente, ao falar com aspirantes a jornalistas eu aplicava às vezes métodos rudes para tentar remover a pretensão. Uma vez, em meados dos anos 1990, quando eu era um dos monitores do Curso Abril de Jornalismo, disse numa palestra aos alunos: “Qualquer idiota pode ser jornalista. Basta pegar uma caneta e um bloquinho”.
Foi um choque. Não só para os alunos, que em geral se consideravam iluminados, mas para a própria organização do curso. Fiquei alguns anos sem ser convidado para participar dele. Naquele ano, minha frase foi considerada a mais marcante pelos alunos.
Vamos entender. Marcante não era, necessariamente, um elogio.
O que eu estava dizendo era que qualquer idiota podia ser um jornalista. Mas bom jornalista é outra história. Para você ser um bom jornalista tem que se aplicar extraordinariamente. Ler, ler e ainda ler. Ter humildade para reconhecer os melhores e aprender com eles. Não basta, longe disso, pegar uma caneta e um bloquinho. Era isso que eu estava dizendo.
O jornalista José Roberto Guzzo, diretor da Veja nos anos 80 e hoje seu colunista, tem outro método para chamar os jovens à realidade. Num Curso Abril, ele provocou calafrios nos alunos quando disse, à classe cheia, que apenas uns três ou quatro fariam carreira. Guzzo não estava desanimando a garotada. Estava, na verdade, dizendo a cada um deles: “Lute para que você seja um dos sobreviventes!”
A pretensão é perigosa quando você é jovem.
Quando comecei a trabalhar na Veja, em 1980, me achava um grande redator. Não era, mas me considerava. Por muito pouco não paguei um preço alto pelo meu erro de cálculo.
Eu era repórter de economia e negócios. O empresariado brasileiro passava por uma renovação, depois de anos de baixa ventilação. Naquele tempo, quase 30 anos atrás, arejar o mundo dos negócios no Brasil significava chacoalhar a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp. Um grupo novo de empresários vencera as eleições na Fiesp, um fato histórico.
Eu estava na equipe que estava fazendo a reportagem de capa. Era uma empreitada tão importante que veio a São Paulo um editor do Rio, Flávio Pinheiro, para organizar os trabalhos. Quando Flávio, um jornalista de imenso talento e caráter, vinha a São Paulo é que havia algo realmente importante acontecendo. A direção da revista ansiava por trazê-lo para a sede, mas Flávio jamais quis trocar o Rio por São Paulo.
Terminei meu texto, em que falava da história do prédio em forma de pirâmide da Fiesp na Avenida Paulista, e passei a Flávio. Era a rotina. Ele leu, fez suas modificações e me entregou de volta, para que eu o passasse a Guzzo. O que não era praxe foi o que eu fiz. Reescrevi — usávamos laudas batidas em 38 toques, as célebres “Linhas Duque” — meu texto original. Suprimi as alterações de Flávio e passei as laudas a Guzzo, que me devolveu minutos mais tarde sem modificações.
Flávio, ao ler a revista no final de semana, percebeu minha molecada. Falou com Guzzo. Na segunda-feira, eu cheguei à Veja como um cadáver andando, sem saber. Guzzo, eu soube depois, chamou meu chefe, Sílvio Ferraz, relatou o episódio e mandou que ele me demitisse. Com toda razão. O que eu fiz foi um absurdo. Minha sorte é que a ordem foi dada a Sílvio, gente finíssima,coração mole, um boa pinta que dusputava com Augusto Nunes o título de jornalista mais bonito do Brasil. Sílvio, que como tantos outros jornalistas da Veja naqueles dias viera do Jornal do Brasil, ponderou com Guzzo que eu era garoto – pretensioso, é verdade — e merecia uma segunda chance. Tinha algum jeito para a coisa.
Bem, estou aqui.