Publicado originalmente no RFI:
Por Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires
O presidente argentino, Alberto Fernández, planejava viajar no começo da tarde desta sexta-feira (17) ao México, onde passaria o fim de semana e, de lá, emendaria rumo a Nova York para participar, de forma presencial, da Assembleia das Nações Unidas na terça-feira (21). Porém, as duas viagens foram canceladas devido à crise institucional que vive o governo.
“O presidente suspendeu as suas viagens ao exterior”, confirmaram fontes oficiais, reproduzidas pela imprensa argentina.
A viagem ao México era para participar da reunião de Cúpula dos Estados da América Latina e do Caribe (CELAC). A Argentina aspira presidir esse foro. Já o discurso durante a Assembleia da ONU será virtual.Alberto Fernández não quer deixar o governo sob o controle de Cristina Kirchner. Durante a sua ausência do país, a Presidência seria exercida pela sua vice, com quem o presidente trava um duelo político por poder.
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Crise institucional
Cristina Kirchner exige uma reforma ministerial que altere o rumo do governo e quer também que o ministro da Economia tenha uma política econômica expansionista para aumentar o gasto público até as eleições legislativas de 14 de novembro, fundamentais para os planos políticos do governo de controlar o Congresso. Alberto Fernández preferia adiar mudanças nos ministérios para depois das eleições, mas, diante da crise, vê-se obrigado agora a reformular a sua equipe de governo.
Sócia majoritária na coligação de governo e detentora do verdadeiro poder, Cristina Kirchner ordenou a renúncia de vários ministros, secretários e presidentes de organismos públicos. As 11 renúncias provocaram um vácuo de poder.
“As renúncias provocam um grave dano no governo e a carta que Cristina Kirchner publicou revela uma vice-presidente que ordena ao presidente que se submeta a ela. O presidente está em xeque. A situação política é dramática”, aponta à RFI o analista político, Nelson Castro.
“Não sou eu quem põe o presidente em xeque, mas o resultado eleitoral”, alegou Cristina Kirchner numa carta aberta, publicada nas últimas horas.
A vice-presidente se refere à contundente derrota nas eleições primárias de domingo passado. A magnitude da derrota enterra o objetivo governista de controlar o Congresso e traduz-se numa reprovação da gestão do presidente Alberto Fernández, na metade do seu mandato. As eleições primárias tendem a ser irreversíveis, antecipando o resultado das eleições de novembro.
Brigas públicas de Fernández e Kirchner
Na extensa carta, Cristina Kirchner culpa Alberto Fernández pela “derrota eleitoral sem precedentes para o peronismo” e ordena o que deve ser feito
“Sempre expus ao presidente o que, para mim, constituía uma delicada situação social. Avisei que ele conduzia uma política de ajuste fiscal equivocada que teria, invariavelmente, consequências eleitorais”, acusa. “Eu me cansei de dizer e a resposta sempre foi que eu estava errada”, critica. Cristina Kirchner insiste com a pressão por uma reforma ministerial.
“Realmente acreditam que não é necessário, depois de tamanha derrota, apresentar publicamente renúncias?”, questiona. “O presidente deve relançar o seu governo e sentar-se com o seu ministro da Economia para rever números”, indica.
Antes da carta, Alberto Fernández publicou nas redes sociais que “não é tempo para expor disputas”. “A gestão do governo continuará do modo que eu considerar conveniente. Para isso, fui eleito”, avisou com um destinatário implícito: a sua vice-presidente.
Porém, perante as renúncias, Alberto Fernández prepara-se para uma reforma ministerial e para anunciar um pacote de medidas fiscais destinadas a aumentar o poder aquisitivo da classe baixa e média-baixa, numa tentativa de reverter o resultado das urnas, exatamente como a sua vice quer.