“Evidentemente, não há nenhum crime se o ex-juiz encontrou uma empresa privada disposta a lhe pagar uma polpuda remuneração por um período tão curto de trabalho”, diz a Veja sobre o contrato de Moro com a Alvarez & Marsal.
É verdade incontestável que, em termos estritos, uma empresa privada pode fazer o que bem entender com o seu caixa. Se ela pagou seus funcionários, fornecedores, os impostos devidos, se cobriu todas as suas responsabilidades, o que lhe sobrou como lucro justo ela pode usar da maneira que lhe aprouver, sempre dentro de limites legais.
Ainda que não seja crime presentear Sergio Moro com um expatriamento de onze meses de vida boa em Washington, passeando sem ter trabalhado um único dia, o caso precisa ser esclarecido.
Por que contratar um ex-juiz brasileiro através de uma filial nos EUA?
Terá sido ele “contratado” nos EUA para fugir de prestação de contas no Brasil?
A Alvarez & Marsal faria muito bem se explicasse o que de fato está por trás desse estranha contratação, pois há interesse público em saber como, por que e por quanto o candidato à Presidência da República foi contratado.
No entanto, esse não é o ponto mais importante.
O que a A&M deve explicar é se a força-tarefa da Lava Jato e, em particular, se o ex-juiz Sergio Moro a ajudou a conseguir os contratos bilionários gerados pela ação direta da força-tarefa. Ao explicar isso, talvez ela consiga explicar a estranha contratação.
A A&M, em que pese ser uma empresa importante nos Estados Unidos, chegou ao Brasil em 2004 e tinha, até o surgimento da Lava Jato, uma operação local bem modesta.
Num mercado onde gigantes mundiais como KPMG, Bain, McKinsey, BCG e PWC estão presentes há dezenas de anos, a A&M era periférica, pouco relevante. Viveu seu quase anonimato até 2015, quando explodiu no cenário arrematando os dois maiores contratos de reestruturação da história econômica brasileira.
A A&M oferece mundialmente um conjunto de práticas de consultoria com foco em finanças: reestruturação de dívidas, gestão de crises, abertura de capitais, e por aí afora. Práticas comuns a todas as grandes consultorias. No Brasil, seu escopo é menos largo, atua principalmente em Adminstração Judicial (AJ), IPO de empresas e Estruturação de Fundos.
Análise do site da Alvarez & Marsal mostra que hoje ela tem onze clientes que acumulam R$ 110 bilhões em dívidas, valores sob a sua gestão e, portanto, sobre os quais serão cobrados os serviços prestados.
O primeiro serviço de Administração Judicial (AJ), a reestruturação de uma dívida de R$ 385 milhões do Grujo JJ Martins, entrou para a A&M em 23/02/2015.
Surpreendentemente, em 01/03/2015, apenas cinco dias depois, caiu uma baleia no pequeno aquário da A&M: o segundo serviço, a reestruturação da dívida de R$9,2 bilhões do Grupo OAS, projeto vinte e quatro vezes maior que o primeiro projeto. Um assombro.
A história da total capitulação da OAS à Lava Jato é conhecida. Poucos dias de prisão foram suficientes para que Leo Pinheiro, principal acionista, assinasse uma insustentável delação premiada – revogada em sua maior parte -, que lhe garantiu a guarda de alguns milhões de reais e a liberdade imediata, consignada dias após a prisão do ex-presidente Lula, alvo principal da delação. Com a delação-capitulação, restou a OAS recorrer à A&M.
A joia da coroa das reestruturações judiciais, a dívida de R$ 96 bilhões da Odebrecht, só entraria em 2019, quando Moro já se sentava na cadeira de superministro de Bolsonaro.
A Odebrecht foi mais resistente e não capitulou com facilidade aos encantos da Lava Jato. Sua resistência adiou a bancarrota, mas não ajudou muito. Em 29/05/2019, R$12 bilhões do Grupo Atvos (braço de energia limpa da Odebrecht) e dezoito dias depois, em 17/06/2019, R$ 84 bilhões do Grupo Odebrecht entraram para os ativos administrados pela A&M.
De acordo com a Veja, investigação do TCU mostra que 75% do que a Alvarez & Marsal informou receber de honorários no Brasil vem de companhias envolvidas na Lava-Jato.
No entanto, isso é uma meia-verdade.
A A&M é um escritório grande com várias práticas de consultoria em distintos segmentos econômicos e os R$ 42 milhões faturados em serviços prestados à Odebrecht e OAS representam 75% de todo o faturamento da filial brasileira.
No que interessa ao caso Moro-Lava Jato-A&M, a análise correta deve se dar sobre a prática específica de Administração Judicial, e não sobre o todo, pois a ação da Lava Jato só se aplica a essa prática de consultoria e não às outras práticas.
Na AJ, somados os valores das duas gigantes, o total é de R$ 105,2 milhões, o que corresponde a 95,6% de todo o valor da Administração Judicial sob os cuidados da A&M. Essa é a informação que importa.
De toda a fonte de receita da A&M em AJ, 95,6% vieram – e ainda virão, pois processos de reestruturação de dívidas podem durar dezenas de anos para serem realizados – diretamente das mãos da força-tarefa da Lava Jato.
É sobre esse dado que o TCU tem que atuar, é essa participação de 95,6% que deve ser investigada pois ela envolve toda a força-tarefa e não apenas o seu chefe.
Jabuti não sobe em árvore e baleia não brota em aquário. É preciso saber quem colocou essa baleia no pequenino aquário da A&M.