Lava Jato: verba pública para rever família, encontrar artistas, palestrar… Por Marcelo Auler

Atualizado em 20 de setembro de 2017 às 18:43

Publicado no blog do Marcelo Auler.

 

Para atender à Força Tarefa da Lava Jato de Curitiba nos seus anunciados objetivos de “combater a corrupção” e os gastos indevidos de recursos públicos, o Ministério Público Federal (MPF) se envolveu em um labirinto burocrático a ponto de pagar diária para procurador regional voltar para a casa da mulher e do filho.

Acontece na chamada República de Curitiba, a mesma que diz estar passando o Brasil a limpo. Não foi pouco dinheiro. Apenas no ano de 2017 (janeiro a agosto) o procurador regional da República, lotado na 3ª Região (São Paulo), Orlando Martello Júnior, embolsou em diárias R$ 63. 654,37, para trabalhar em Curitiba. Ele foi criado na cidade e nela residem sua mulher, a também procuradora da República Letícia Pohl Martello e seu filho. Tudo, é verdade, dentro da legalidade.

Como também foi dentro da legalidade os R$ 29.259,52 que saíram dos cofres do Ministério Público Federal para bancar as 25,5 diárias de viagens que o coordenador da Força Tarefa da Lava Jato, o procurador da República recebeu, no mesmo período (janeiro a agosto). Como mostra o mapa acima, ele embarcou e desembarcou de 21 voos.

É pouco provável que ele tenha ido nove vezes a Brasília, oito ao Rio de Janeiro, além de passar por Porto Alegre, Boston e Washington a serviço das investigações. Muito provavelmente foi divulgar o trabalho da Força Tarefa e a defesa das 10 Medidas de Combate à Corrupção. Como ocorreu duas vezes, no Rio, em encontros noturnos com artistas. As 25,5 diárias por estes 44 dias de viagens saíram dos cofres do Ministério Público Federal. Terão sido bem aplicadas?

Mais sorte, porém, tiveram alguns de seus colegas de Força Tarefa, ou mesmo quem apenas tenha colaborador com a Lava Jato episodicamente. Como foi o caso do procurador da República de Minas Gerais, Rodrigo Leite Prado. Escolhido para assessorar diretamente seu xará, o hoje ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, Prado embolsou nestes oito meses de 2017, 123,5 diárias, que totalizaram R$ 85.100,10.  Viajou muito, inclusive para reuniões no Fórum Mundial, em Davos, e reuniões da Interpol. Em algumas viagens surge a informação de que prestou serviços à Lava Jato, como nos dias 4 e 5 de setembro passado, quando foi ao Rio para uma reunião e uma coletiva de imprensa da Lava Jato.

O pagamento de diárias para procuradores da República na Força Tarefa da Lava Jato surpreende. Não se trata de um exercício fácil constatar tais gastos. Os dados disponibilizados pelo MPF não estão nem um pouco arrumados. Ficam perdidos no meio de extensas relações que misturam despesas de procuradores e procuradores regionais com técnicos do MPF, servidores contratados, colaboradores, acompanhantes de pessoas doentes e até de juízes e promotores de outras áreas. Parecem feitos de forma a dificultar o entendimento.

Vencidas estas dificuldades, e ainda correndo-se o risco de não se descobrir todos os dados, verifica-se que somente para 14 membros da Força Tarefa de Curitiba as diárias desembolsadas  – apenas nos oito meses de 2017 – alcançaram a cifra nada desprezível de R$ 463.572,62 (não incluindo despesas de passagens).

Em uma comparação grotesca, que muitos criticarão, esse valor é  2,5 maior que os R$ 182 mil que Luiz Inácio Lula da Silva teria pagado, ao longo de 48 meses (2011 a 2014, portanto, já como ex-presidente) pelo aluguel do apartamento ao lado do seu e que o juiz Sérgio Moro e a procuradora Isabel Groba reclamaram, na última audiência, de não terem sido comprovados.

O valor das diárias pagas à Força Tarefa de Curitiba se torna ainda mais questionável quando se compara com o que foi gasto nesta mesma rubrica com os encarregados das investigações da Lava Jato que tramitam junto ao juiz Marcelo Bretas, na 7ª Vara Federal, no Rio de Janeiro.

Estes seis procuradores da República e três procuradores regionais fluminenses, no mesmo período de oito meses de 2017, receberam como diárias R$ 91.543,54, o equivalente a 19,74% do total amealhado pela equipe da República de Curitiba.

Ou seja, em Curitiba, as diárias engrossaram o salário, que todos acham que é pequeno.

No Rio, há de se destacar que nem todas as diárias foram para viagens a serviço da Lava Jato. Os R$ 11,7 mil recebidos pela procuradora Fabiana Keylla Schneider cobriram deslocamentos dela para atividades de defesa dos quilombolas e de populações indígenas. Causas bastante nobres.

No caso da procuradora Ana Paula Ribeiro Rodrigues misturam-se viagens internacionais do interesse da Lava Jato com outras locais e nacionais sem relação com as investigações em questão.

Uma explicação: A procuradora Ana Paula Ribeiro, embora apareça na relação do pagamento de diárias como tendo viajado para “interagir com a Lava Jato”, não pertence ao grupo da Lava Jato do Rio de Janeiro. Se atuou na Operação, o fez em substituição a algum colega, fora do Estado do Rio de Janeiro. Isso demonstra que as diárias pagas a procuradores do Rio foram bem menores e, como dissemos acima, praticamente relacionadas a deslocamentos por conta de outras questões.

Já os três procuradores regionais fluminenses consumiram juntos, em diárias, um total inferior – R$ 8.539,21 – ao valor mais baixo despendido individualmente a seus colegas que atuam em Curitiba – R$9.615,28. Pagos à procuradora regional Carla Veríssimo de Carli. No caso do procurador regional Carlos Aguiar, as cinco diárias recebidas em duas viagens foram para correição (em São Paulo) e ida aos municípios de Petrópolis e Nova Friburgo. Ou seja, em serviço distinto da Lava Jato.

Os dados, como dissemos, não são totais e finais devido à forma com que as planilhas com pagamentos de diárias foram feitas. Certamente haverá também despesas de viagem de servidores e técnicos do Ministério Público Federal a serviço das investigações.

Assim como mais despesas com procuradores ligados à PGR em Brasília. O que certamente fará com que Prado possa não ter sido o mais bem aquinhoado em diárias. Aliás, os valores que recebeu não foram, entre os que tiveram algum trabalho na Lava Jato, os maiores em diárias.

Na Força Tarefa de Curitiba, por exemplo, também trabalham os procuradores regionais da República, lotados junto a TRF-4 (Porto Alegre), Januário Paludo e Antônio Carlos Welter. Foram os dois que se empenharam, como noticiamos aqui, para arquivar as investigações em torno do grampo encontrado na cela de Alberto Youssef e as denúncias feitas pela sua ex-contadora, Meire Poza- leia em, MPF, para esconder grampo ilegal, lança versão incongruente e Lava Jato: irregularidades debaixo do tapete.

Lotados oficialmente em Porto Alegre, eles têm autorização do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) para auxiliar a Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba, como ocorre com Martello, Carlos Fernando dos Santos Lima, Isabel Cristina Groba Vieira (em Curitiba) e no Rio com José Augusto Simões Vagos e Leonardo Cardoso de Freitas (da Procuradoria Regional da 2ª Região, Rio de Janeiro).Já Aguiar atua diretamente na Lava Jato junto ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo).

Diferentemente dos procuradores regionais do Rio que moram na mesma cidade da Força Tarefa, os do Sul e de São Paulo recebem diárias para estarem à disposição da Força Tarefa em Curitiba. Isto é que leva Martello, que originalmente era da Procuradoria da República do Paraná até ser promovido a procurador Regional em São Paulo, a receber diária para voltar à cidade onde foi criado, ingressou no Ministério Público Federal, casou-se com uma colega e teve seus filho.

Repita-se, tudo legalmente, pelas regras do jogo. Mas, certamente, como este Blog, muitos devem defender que tais regras sejam modificadas. Afinal, não se sabe de policiais militares, civis ou federais, professores do ensino básico ou do ensino universitário, médicos e demais funcionários públicos – inclusive os defensores públicos, para citar um exemplo do mundo jurídico – que façam jus a um auxilio moradia como recebem magistrados e membros dos Ministérios Públicos.

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