Leão Serva, que mediou debate com Marçal, questiona por que chamar Marçal e o compara a Hitler

Atualizado em 24 de setembro de 2024 às 16:10
Leão Serva no debate da TV Cultura: a ficha caiu?

Encontre o erro: o jornalista Leão Serva, que mediou o debate na TV Cultura com a presença de Pablo Marçal, aquele da cadeirada, escreveu artigo na Folha reclamando da presença de Marçal nos debates.

“Dado o conhecimento que temos hoje, se Adolf Hitler fosse candidato a um cargo de governo, deveríamos convidá-lo para um debate?”, questiona Leão.

O DCM vem denunciando o comportamento da mídia com o bolsonarista desde o primeiro confronto dos candidatos a prefeito de São Paulo. Chama-se normalização do fascismo.

Ora. A pergunta é óbvia: se Leão Serva acha isso, por que mediou o debate? Bastava dizer não. Agora Inês é morta.

A seguir, alguns trechos do texto:

Um líder político que promete atos disruptivos pode, um dia, ser considerado um participante legítimo da democracia? A história das últimas décadas, em países como Hungria, Polônia, Venezuela, El Salvador, Filipinas, Argentina e México, mostra que as maiores ameaças à democracia frequentemente vêm de líderes autocráticos que, eleitos, trabalham para enfraquecer suas bases.

Pior: isso já ocorre em democracias consolidadas, como Israel, Estados Unidos, Alemanha e França. Veja o uso da Suprema Corte no governo Trump, onde uma maioria foi montada para decidir ao arrepio da jurisprudência ou do bom senso.

Já durante as campanhas, esses políticos começam a destruir os espaços democráticos da sociedade civil. Suas práticas incluem atacar adversários com insultos, desrespeitando normas básicas e transformando o debate em espetáculo vulgar.

O jornalismo, desde o século 18, é um elemento estrutural das democracias, funcionando como um microcosmo do debate político geral. Ao atacar jornalistas ou subverter o debate, movimentos autocráticos anunciam a destruição de todos os espaços democráticos do Estado. O alvo não é o jornalista, mas o jornalismo e a democracia.

Então, por que normalizamos candidatos que ameaçam a democracia? Como Hitler fez com os judeus, Trump inventa histórias falsas sobre imigrantes. Bolsonaro afirmou que “índios” são quase humanos, propôs guerra civil para matar 30 mil “comunistas” e defendeu a morte do então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Por que recebemos essas figuras em nossos fóruns de debate?

O jornalismo está enfraquecido pela perda de audiência e vive uma “síndrome de Estocolmo” em relação às mídias digitais, que parecem dominar o espaço público. Repetem-se os erros de “apocalípticos e integrados” de Umberto Eco nos anos 1960, quando a televisão assumiu o protagonismo. (…)

A dependência ficou clara quando o candidato Pablo Marçal culpou três semanas sem debates televisivos por sua queda nas pesquisas. Afinal, mídias digitais não são suficientes para sustentar um candidato? Não… É o jornalismo, estúpido!

Mas nós, gestores dos meios, somos reféns dessa síndrome. Imagino que editores na Alemanha de 1932 se sentiram assim quando o nazista foi o partido mais votado, surfando com sagacidade a nova mídia, o rádio. Naquele momento, a democracia já havia sido leniente com Hitler, que, após uma tentativa frustrada de golpe, foi solto e passou a atuar como um político. (…)

Lembro de uma ocasião em que Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, me mandou interromper a impressão do jornal e destruir exemplares que continham uma entrevista com um artista plástico que quando jovem tinha colaborado com a ditadura e, no texto, defendia a tortura. “O limite da liberdade de expressão é a defesa da tortura ou da ditadura”, disse Otavio.

Trump tentou um golpe de Estado em 6 de janeiro. Como não teve sua participação política limitada, pode, agora mais ainda, minar o sistema por dentro.

O caso de Pablo Marçal ilustra a dificuldade da imprensa em lidar com manifestações antidemocráticas, como foi com Bolsonaro. O candidato do PRTB não deveria ter espaço em debates na imprensa já que seu partido não tem representação. Mas, por ter relevância nas pesquisas, foi aceito. Se ele está lá, a responsabilidade é nossa. E, como o escorpião da fábula, ele envenena o espaço por dentro.

Por que continuamos chamando figuras como Trump, Bolsonaro ou Marçal para debates? Estamos repetindo o erro que levou Hitler ao poder. Como ilustra a cena bíblica, no livro de Marcos, Jesus pergunta à vítima do demônio: “Diga-me seu nome. Ele respondeu: ‘Meu nome é Multidão, pois somos muitos’.” (…)