Lei de abuso de autoridade está longe de ser perfeita, mas é um avanço. Por Tânia Maria de Oliveira

Atualizado em 25 de setembro de 2019 às 6:57

O Congresso Nacional votou nesta terça-feira (24) os vetos à Lei de Abuso de Autoridade. Dos 33 textos vetados, 18 foram restituídos, e 15 foram retirados da norma. O resultado simbolizou uma derrota para o governo Bolsonaro e o ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, não apenas numérica, mas de conteúdo.

Na essência do projeto, foi preservado o texto quanto à possibilidade de ação penal privada subsidiária da pública (art. 3º), a criminalização da decretação  e manutenção de prisões ilegais (art. 9º), do constrangimento ao preso de produzir prova contra si mesmo (art. 13), da coação de pessoa para depoimento (art. 15), da obrigatoriedade do agente que identifica o preso (art. 16), da ausência de justa causa para persecução penal (art. 30), da obrigatoriedade de acesso pelo interessado ou seu advogado de qualquer peça de investigação ou diligência (art. 32), da antecipação de conteúdo em mídias de investigação não concluída (art. 38) e da violação de prerrogativa de advogado (art. 43).

O governo conseguiu remover da nova lei o crime por não retirada, pelo agente público, de erro relevante de que tenha conhecimento em processo ou procedimento (art. 34) e o de coibir, dificultar ou impedir o direito de reunião ou de associação (art. 35). Mas o saldo foi positivo, no ponto em que garante ao país uma legislação atual, que indica como crimes condutas de agentes que atuam impunemente de forma abusiva, ao arrepio das normas, em ações espetaculosas e midiáticas.

Como afirmou na tribuna o líder do PT no Senado, Humberto Costa, foi uma “derrota do discurso farisaico”, que fala de corrupção sem qualquer compromisso real com seu combate, sem passar jamais da retórica para o mundo real, negando a defesa integral do Estado de Direito, da liberdade, da democracia, das garantias individuais, dos direitos fundamentais da população brasileira, conquistas civilizatórias dos últimos séculos.

Temos uma lei. Longe de ser perfeita, mas com capacidade de se conformar em instrumento de auxílio ao enfrentamento de desvios exercidos por autoridades, e como esteio das garantias dos direitos dos cidadãos frente ao Estado, sempre que os arbítrios e desmandos se apresentarem. Uma mistura entre regulamentação de preceitos democráticos vigentes e difusos em diversas normas, com padronização de outros que necessitavam de melhor formatação.

Como toda norma, sua implementação será objeto de disputa social. Por ora houve a derrota dos que intentavam manter o atual estado de coisas, onde contrariar a Constituição, ignorar deveres, pautar-se por interesses meramente ideológicos, negar direitos elementares em busca de aprovação social, holofotes e ascensão política, são a praxe do comportamento. A vitória virá quando a sociedade utilizar o conteúdo da lei como ferramenta para enfrentar o autoritarismo.

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Tânia Maria de Oliveira é coordenadora da Associação Brasileira Juristas pela Democracia.