Long, long time ago, but I still can remember.
O verso inicial de American Pie, de Don McLean, sempre me ocorre quando penso em John Lennon. Como hoje, quando ele faria 75 anos.
Muito tempo atrás, mas ainda lembro o dia em que ele morreu.
Dezembro de 1980.
Eu morava ainda na casa de meus pais, no Previdência, em São Paulo. Tinha 24 anos. Era manhã. Papai saíra com meu irmão temporão Kiko, de 12 anos. Eles ouviram a notícia no rádio, como era comum naqueles dias. Kiko me contou.
Os beatlemaníacos criaram instantaneamente uma corrente de solidariedade. Ligávamos uns para os outros, em busca de conforto. Tocava John no rádio o tempo todo. Pouco depois, começaram a aparecer as homenagens musicais a ele, em várias línguas. “Naquele dia em que ficamos tristes com Yoko” foi a música mais bonita que fizeram para ele no Brasil. Simone gravou.
George primeiro, depois Paul também compuseram para John. “Here Today”, de Paul, é dos tributos o mais bonito, compreensivelmente. Paul canta “Here Today” em seus shows.
Ouço John com frequência, sobretudo o John dos Beatles, jovem, sardônico, revoltado, a voz anasalada que é para mim a maior da história do rock, e talvez não só do rock. Entre todas as músicas que já ouvi na vida, “In My Life” é minha favorita. Gosto não apenas de ouvi-la mas de cantá-la, desajeitadamente, ao violão.
Fui várias vezes a Liverpool, desde que vim para a Europa, e em todas elas passei pela casa em que John viveu mais que em qualquer outra na vida, a da Tia Mimi, e por Strawberry Fields. Sempre que estive em Strawberry Fields havia um grupo de turistas.
Em minha mais recente ida a Liverpool, o guia me contou que o Dakota, o prédio em que John viveu e morreu em Nova York, tinha uma forte semelhança arquitetônica com o prédio que fica em Strawberry Fields, um orfanato que o pequeno John gostava de frequentar por se sentir entre iguais.
Meus três filhos mais velhos, em diferentes ocasiões, acompanharam o pai na peregrinação a Liverpool. O quarto, bebê, conhecerá Liverpool tão logo possa.
Na casa de John está a placa redonda azul que distingue alguém notável, e que os ingleses só colocam 20 anos depois da morte, para que o morto enfrente a última prova, a do tempo.
Sempre bato os olhos no lugar, ali pertinho, em que Julia, a mãe de John, morreu atropelada. Eles tinham se reaproximado, depois que John foi entregue à tia para que o criasse porque o pai era um aventureiro e a mãe irresponsável. Julia ainda teve tempo de ensinar banjo a John antes de ser atropelada.
O sentimento de rejeição tornou John infeliz e atormentado, mas ao mesmo tempo fez dele o gênio que foi. John é um daqueles casos que comprovam amplamente a vinculação entre a grande arte e a dor. Tivesse sido criado convencionalmente e tido uma vida normal entre pais de classe média, talvez estivesse agora aposentado jogando baralho em Liverpool.
Paul foi o moderador dos Beatles, George foi o menino prodígio que deu suporte musical a seus companheiros antes que estes virassem os bons músicos que seriam. Mas foi o tormento pessoal, intransferível, cruel de John que fez os Beatles romperem barreiras e destruírem limites até a última faixa do último disco.
Tenho vivo o 8 de dezembro de 1980 em minha memória. Eu era um jovem reporter que começava a carreira na Veja, e acreditava em muitas coisas. Lembro a capa das revistas americanas. Guardei uma delas durante anos, e talvez ainda a encontre se mexer em minhas velharias. O título era tirado de American Pie. O dia em que a música morreu.
De alguma forma, para todos nós que amávamos tanto Lennon, a música morreu mesmo naquela noite em Nova York, sob os tiros de Mark Chapman.