Aposentado após 28 anos de Ministério Público e professor da Unisinos, o jurista Lenio Streck fez uma avaliação sobre como enfrentar a nova extrema-direita, Pablo Marçal. Também falou sobre a suspensão do X e das decisões de Alexandre de Moraes.
Streck acredita que a esquerda e os progressistas não devem apenas ler Marçal e suas chances nas eleições municipais de São Paulo. Ela citou no DCMTV o livro Alice no País do Espelho (1871), de Lewis Caroll, para fundamentar a sua ideia de “desler” o candidato a prefeito de São Paulo.
Confira os principais pontos da entrevista.
“É preciso deslê-lo”
Ele é o homo internet, não o homo sapiens. Esse é o o o homo influencers, que é um novo tipo tinha o homo sapiens. É impossível você vencê-lo. É o novo Hércules e seus 12 trabalhos. É impossível você debater com ele.
Nós temos que voltar a estudar. Temos que voltar a trazer e trabalhar os conceitos. Como está, podemos entrar na armadilha da instantaneidade. Temos que discutir o que é razão cínica, porque no fundo o Pablo Marçal usa uma razão cínica.
Ele sabe o que está fazendo. Fala o que os caras querem ouvir. Ele é um cínico nesse sentido. Tem que estudar o conceito antigo mas ainda atual de ideologia. E tem que ler os clássicos.
Tem o personagem cabeça de Ovo do livro Alice Através do Espelho, o Humpty Dumpty, que questiona por que você faz só uma vez aniversário por ano. Ele diz que você deveria fazer 364 desaniversários para ganhar 364 presentes. Ela responde ingenuamente que não pode ser assim. A atitude de Alice é de um jurista como eu, com a Constituição debaixo do braço. Tolinho, diz o Humpty Dumpty.
Ele faz isso porque dá às palavras o sentido que ele quer. Coisa maravilhosa! É genial isso. O povo não lê essas coisas. Nesse livro está a resposta contra Pablo Marçal.
Você tem que compreender Pablo Marsal para poder enfrentá-lo, entendeu? Não adianta xingá-lo, porque você tem que compreender.
Tem o filme “O Enigma de Kaspar Hauser”, que também é muito bom. Cheguei a fazer um programa chamado Direito e literatura sobre Kaspar Hauser. É “cada um por si e Deus contra todos” a frase do pôster do Kaspar Hauser.
[“O Enigma de Kaspar Hauser” é um filme alemão de 1974, do diretor Werner Herzog. Kaspar é uma criança abandonada envolta em mistério, encontrada no século XIX, com alegadas ligações à família real de Baden, que não sabe falar. Mostra a importância da linguagem no processo socializador de um indivíduo]
É uma mistura desse filme com o personagem de Alice e com o livro “Viagens de Gulliver” [de Jonathan Swift]. Nesse livro, numa das passagens das diversas ilhas, temos de algum modo uma representação social pelo qual se pode explicar o que nós estamos passando com Marçal.
Pablo Marçal tem que ser enfrentado com outras armas. E definitivamente não é com a racionalidade. O que nós precisamos fazer é desler o Pablo Marçal. É preciso deslê-lo. Esse é o programa no DCM mais cultural das redes sociais de todo o Brasil, modéstias favas!
Não tente ler Pablo Marçal. Tem que ver o que se esconde nisso tudo. O Pablo Marçal é só a ponta do iceberg. Não se pode achar que ele representa algo. Ele representa simbolicamente aquilo que é este novo tempo.
Marçal tem que ser visto como o espírito do tempo. Quando a gente olha só ele, como se Pablo Marçal fosse uma árvore, a gente não enxerga a floresta.
Se você não tiver uma clareira, Pablo Marçal se disfarça no meio da floresta com outras árvores.
Moraes, X e Marçal
Voltando ao caso Elon Musk, a gente não tem maneiras de conter essa coisa nova, esse monstro novo que surgiu e que está personificado em gente como essa influenciadora Deloane e Pablo Marçal, por exemplo.
Nós não conseguimos acompanhar. São duas coisas, né? Uma é a dificuldade da falta das fronteiras do mundo globalizado, da progressão e do avanço da malandragem e do estelionato. Porque o Direito sempre corre atrás, sempre atrasado, atrás disso. Veja, por exemplo, que o Código Civil de 1900 da Alemanha logo foi ultrapassado quando inventaram o avião. Foi assim porque não tratava do transporte aéreo.
Com o surgimento do smartphone, a lei das interceptações telefônicas ficou defasada porque quando fizeram a lei, ninguém pensava que nós íamos ter avatares de Inteligência Artificial. Ninguém pensava nisso. O Direito demora. Direito sempre leva um ataque surpresa.
Alexandre de Moraes se deu conta disso. No fundo, o Alexandre de Moraes ele fez uma interpretação darwiniana dos ataques. Não está escrito que você pode fazer a intimação via X, pelo Twitter, porque quando foi feita a lei, o X não existia.
Moraes fez uma interpretação por analogia, adaptando essas questões da própria lei que fala de grupos econômicos. O problema é que no Direito penal, quando o cara dá um golpe e esse golpe não está previsto na lei, você não pode punir porque não há crime sem lei que preveja isso.
Lei nunca pode retroagir. Os influenciadores hoje dão o golpe e escapam, porque a lei ainda não prevê o que fazem. É importante que as pessoas saibam disso e não se surpreendam tanto quando o cara está envolvido em algo criminoso e de repente ele escapa.
O advogado dele habilmente mostra que não tem nenhuma lei que proíba do sujeito fazer propaganda de um cara que está fazendo uma coisa errada. Ele simplesmente diz “comprem”, “façam apostas”. Se o Silvio Santos fazia isso, todo mundo podia fazer.
O influencer quer dizer que o Brasil é uma grande jogatina. Tem os que foram presos, como Nego Di. Mas quando saírem, voltam a fazer o que fazem.
Isso se aplica a Pablo Marçal. Esses personagens são parte de crimes novos.
Veja a live na íntegra.
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