Publicado originalmente na Rede Brasil Atual (RBA)
POR GLAUCO FARIA
Para o professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito Lenio Streck, a questão a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ultrapassou a esfera jurídica. “Esse assunto virou uma disputa política, não há mais Direito, foi deixado de lado há muito tempo”, afirma.
Para ele, “o único que pode de fato despachar é o plantonista”. “Ninguém que está de férias pode desautorizar um plantonista, se a moda pega, não haveria mais necessidade de haver plantonista, seria inútil. É simples”, pontua.
Confira abaixo a entrevista.
Como você vê esse episódio da determinação da soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo desembargador do TRF 4 Rogério Favreto e todo o desenrolar dessa decisão, desde a conduta do juiz Sergio Moro de não cumprir a decisão até a manifestação de João Pedro Gebran Neto?
Esse assunto virou uma disputa política, não há mais Direito, foi deixado de lado há muito tempo. O habeas corpus que o desembargador (Rogério) Favreto deu, as pessoas podem não concordar, e ele pode até não estar correto, mas quem vai dizer isso não é o Sergio Moro nem o relator (João Pedro Gebran Neto), que não é mais o relator. Ou seja, se o Favreto não poderia despachar nesse habeas corpus, o antigo relator também não, os dois estão ‘zero a zero’.
Na verdade, o único que pode de fato despachar é o plantonista. Ninguém que está de férias pode desautorizar um plantonista, se a moda pega, não haveria mais necessidade de haver plantonista, seria inútil. É simples.
Decisão judicial se cumpre, quem não cumpre comete crime de desobediência. A decisão só pode ser revogada, errada ou certa, pela turma, um outro desembargador não pode avocar (chamar para si) processo, aliás não existe essa figura da avocação no Direito brasileiro. O argumento de que os advogados de Lula não autorizaram é pífio. Eu posso pedir um habeas corpus, você pode, qualquer pessoa pode fazer, em qualquer lugar, em cima de um pedaço de papel de pão.
O que há é que se criou um imbróglio, e se havia dúvidas de que o Moro não poderia julgar processos do Lula, agora está escancarado. E o próprio TRF 4 virou suspeito. Pouco direito e muita política.
Além disso existe o fato também de o juiz Sérgio Moro ter tomado essa decisão de ofício antes mesmo da manifestação do Ministério Público.
Evidente, isso é outra falha, são 5 ou 6 falhas nesse processo. Ele estava de férias. Tem um juiz de São Paulo que responde a um processo administrativo porque despachou durante as férias. Embora haja decisão do STF de que não haveria problemas de um juiz despachar, são circunstâncias diferentes, não para impedir que um habeas corpus seja cumprido. Uma coisa é você fazer durante as férias algo que não repercuta na esfera do mundo, não é esse o caso. Existe plantão é porque não tem outro (juiz).
Seria manifestamente ilegal esse tipo de conduta.
É claro. Não importa que alguém diga que a decisão é ilegal, inconstitucional, todos os dias acontece e recurso serve para isso. Se um juiz prende alguém e não poderia prendê-lo, tem que recorrer. Só o tribunal vai soltar, é tão simples isso.
Podemos afirmar então que a decisão do desembargador Favreto só poderia ser contestadas por turma do próprio TRF 4.
Exatamente.
Temos acompanhado a narrativa de veículos da mídia tradicional, em especial da Globo News que diz que esse episódio seria uma espécie de manobra política do PT. A liberdade de alguém não é um valor maior, não deveria estar acima de qualquer discussão política?
Evidente, mas a Globo News é a terceira câmara criminal do STF. Os ‘ministros’ da Globo News, o (Gerson) Camarotti e o Merval (Pereira) mandam em parte do Brasil, da mídia, fazem o imaginário, constroem tudo. Tem um problema difícil? Consulta o Camarotti, ele sabe tudo, é o grande jurista que não estudou Direito.