Publicado originalmente no Brasil de Fato
O escritor e teólogo Leonardo Boff afirma que o Brasil assiste a uma iniciativa deliberada do Poder Judiciário de destruir Lula e tudo que ele representa para a democracia e para as políticas de redução da desigualdade social. Punir o ex-presidente da maneira mais drástica possível, mesmo sem provas, segundo Boff, é materialização do ódio que uma elite segregacionista tem da população mais pobre do Brasil.
Em entrevista ao Brasil de Fato um dia após nova condenação de Lula em primeira instância na Lava Jato, Boff analisa o que está por trás de pena de 12 anos e 11 meses no caso “sítio de Atibaia”. Confira:
Brasil de Fato: Como o senhor recebeu a notícia de uma nova condenação do ex-presidente Lula em primeira instãncia, desta vez no caso “sítio de Atibaia”?
Leonardo Boff: Eu vejo um aspecto político. A intenção desses que estão no poder não é só condenar o Lula, mas condenar o projeto de nação que ele representa. É um projeto de inclusão para diminuir a grande injustiça social, de autonomia face ao processo globalização sem estar submetido a outras potências, e recriar um novo tipo de Estado que coloque em destaque a descentralidade das políticas públicas.
Por isso, Lula é alvo de perseguição? Quem estaria por trás desse movimento?
São os herdeiros da Casa Grande que não aceitam que alguém da Senzala, que veio de baixo, chegue à Presidência. São os endinheirados, é o mercado, são aqueles 1700 opulentos e riquíssimos, que ainda controlam grande parte do PIB [Produto Interno Bruto] nacional. O projeto de mudança social está sendo negado, e Lula está preso injustamente.
Qual seria uma resposta possível da sociedade civil a esse processo?
A nossa resposta é aquela de um dos heróis da revolução mexicana [Emiliano Zapata]: “Se o governo não se ocupa do povo, o povo não deve dar paz a esse governo” [“Si no hay justicia para el pueblo que no haya paz para el gobierno”]. Nós precisamos dar luta a esse governo. Nas ruas, nos protestos, nos vários recursos jurídicos, nas cortes internacionais, e denunciar para o mundo.
A sentença que condenou Lula é baseada em subjetividades?
Temos que ter claro que vivemos em um Estado pós-Democrático. Num Estado sem lei. Ele é autoritário e dá um tiro na Constituição e nas leis. Eles condenam sem prova. O importante é condenar.
A condenação é tão imbecil que eles condenam a pessoa que tem um outro nome, mas é a mesma. O empreiteiro Léo Pinheiro foi condenado ao lado de outro que é ele mesmo! Eles nem se dão ao trabalho de ler os autos.
Antes de qualquer outra consideração, ele [Lula] tem que ser condenado de qualquer maneira. É uma grande injustiça, que será punida um dia. Essas pessoas terão que responder por isso.
É um crime de injustiça e abuso de poder. Esse dia chegará.
Mas qual o papel da Justiça nisso?
A Justiça está a serviço desse outro projeto, que é o alinhamento ao império, aos grandes conglomerados mundiais, que controlam a economia – e nós como sócios menores, agregados, sem autonomia, sem um projeto que inclua o pobres.
Só os negros são 54,5% da população do Brasil. E onde vivem esses negros? Vivem nas periferias, estão excluídos, assim como os indígenas e LGBTs. Nada disso entra no projeto deles.
O senhor se encontrou várias vezes com Lula na prisão, em Curitiba. O que ele tem dito sobre os processos da Lava Jato?
Na última visita, logo após as eleições, a primeira pergunta que fiz foi: “Lula como está a sua alma?”. E ele disse: “Boff, a minha alma está tranquila. Ela não me acusa de nada daquilo que eles me acusam. Eu estou tranquilo, na minha consciência. Mas estou profundamente indignado com a injustiça, com a mentira e com a falsificação”.
O que mais ele disse no último encontro?
Ele falou: “Eu não quero a liberdade. Eu quero um juiz correto, que analise os autos do processo, que comprove que eu não tenho a ver com o triplex, que eu não tenho nada que ver com o sítio de Atibaia. Quero justiça, quero que analisem, e aí eles vão ver. Cada vez que fui candidato, eu fui investigado. Não se tem nada, nem uma conta aqui no Brasil ou no exterior, nada. O que mais me ofende, que atinge o meu coração, é que me consideram um ladrão. Eu nunca roubei nada. Nem um chiclete, que eu tanto desejava na infância. Nem uma maçã argentina que me dava saliva na boca quando era atendente de supermercado. Se alguém disser que eu dei cinco centavos para alguém, ou alguém me deu cinco centavos, Boff, diga nas suas palestras que essa pessoa é mentirosa”.
Eles não mostram as contas e não mostram os atos. Eles partem das suposições da fantasia obsessiva deles de condenar o Brasil de todos.