A relatora especial da ONU para os Direitos Humanos nos Territórios Palestinos Ocupados, Francesca Albanese, de 46 anos, tem alertado nos últimos dois meses sobre o risco de genocídio do povo palestino. Ela é a primeira mulher a ocupar essa relatoria desde sua criação em 1993 e em entrevista ao GLOBO, citou como “absurdos” os crimes cometidos por Israel, classificou-os como “limpeza étnica” e também condenou o ataque surpresa do Hamas em 7 de outubro, classificando-o como “violento e terrível” e deixando mais de 1,2 mil mortos em território israelense.
A advogada especialista em direito internacional também não poupou críticas ao papel da ONU na resolução do conflito, chamando-o de “fracasso épico”. “O que está acontecendo hoje é um fracasso épico para a ONU do ponto de vista político, humanitário e jurídico, porque a ONU não foi capaz de pressionar Israel quanto ao uso da autodefesa. Israel tem o direito de se proteger, mas não tem o direito de travar uma guerra contra a população [de Gaza]”, declara.
Em relação ao risco de genocídio, Albanese destacou que, segundo a Convenção sobre Genocídio, não é necessário provar 100% que houve genocídio para a intervenção dos Estados membros, bastando provar o risco de intenção de matar ou infligir danos graves. Ela citou três elementos que observou: a matança maciça, o endurecimento do bloqueio em Gaza e a destruição da infraestrutura hospitalar. “Israel é uma potência militar forte, portanto, sabe muito bem o que está fazendo e ao destruir a infraestrutura médica, sabe que isso levará à morte. Mas é preciso observar que o genocídio não é um ato, é um processo, e começa com a desumanização do outro”, completa.
A relatora refutou as alegações de Israel de que o Hamas usa civis como escudo humano, argumentando que tais afirmações são falsas e não há provas de que o Hamas esteja usando civis dessa maneira. Sobre o ataque do Hamas em outubro, Albanese destacou que, embora tenha sido violento, não iniciou a guerra, que já vinha com uma punição coletiva sobre Gaza.
Quanto à atual situação, Albanese expressou preocupação com a possível limpeza étnica dos palestinos, afirmando que Israel está empurrando a população cada vez mais para o sul, tornando-os refugiados no Egito: “Israel não quer os palestinos na terra e usa de meios burocráticos e da força para promover desapropriação, deslocamento forçado, bloqueios e ocupação colonial. É claro que é uma limpeza étnica. Toda a vida dos palestinos desde o estabelecimento de Israel [como Estado] tem sido uma limpeza étnica” esclareceu.
Ela encerrou a entrevista enfatizando o fracasso da ONU na crise, enfatizando a necessidade de um cessar-fogo imediato com presença internacional independente para libertação de reféns e o fim da militarização do território palestino: “O que está acontecendo hoje é um fracasso épico para a ONU do ponto de vista político, humanitário e jurídico, porque a ONU não foi capaz de pressionar Israel quanto ao uso da autodefesa”, finalizou.