Livro de Cristina Kirchner bomba na Argentina

Atualizado em 9 de maio de 2019 às 13:33
Cristina Kirchner (Imagem: reprodução)

PUBLICADO NA REDE BRASIL ATUAL

POR TIAGO PEREIRA

O livro Sinceramente (Sudamericana), escrito pela ex-presidenta Cristina Kirchner já é um fenômeno político e literário. Em sua quinta edição, vendeu mais de 200 mil cópias em duas semanas. A primeira tiragem, de 20 mil exemplares, esgotou no mesmo dia do lançamento nas livrarias, em 25 de abril. E a seção “Biografias e historias reais em espanhol”, na Amazon, já tem a edição em primeiro lugar.

Na noite desta quinta-feira (9), Cristina Kirchner apresenta a obra na 45ª edição da Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, o evento literário mas importante do país. A apresentação – que poderá ser vista pelo canal da autora no Youtube, Facebook e Twitter – deve reunir políticos de oposição ao atual presidente, Maurício Macri, sindicalistas, além de representantes de organizações sociais, da cultura e das ciências argentinas. A expectativa é que milhares de argentinos acompanhem a fala de Cristina em dois telões colocados do lado de fora do Prédio de La Rural, que recebe o evento. Haverá também transmissão online.

Primeira mulher a presidir a Fundação El Libro – que realiza a feira – María Teresa Carbano, diz que o evento ganha ares políticos em função das eleições presidenciais argentinas, em outubro. “Presentación de Cristina Fernández de Kirchner es la principal atracción por comprensibles motivos políticos: ex presidenta, atual senadora e não se sabe se candidata… Eu vou saudá-la e dar-la as boas vindas” afirmou ao jornal Página 12.

Em pesquisa da consultoria Isonomia, divulgada também em abril, antes do lançamento do livro, Cristina aparece com 45% das intenções de voto num eventual segundo turno contra atual presidente, que teria 36%.

O sucesso do livro de Cristina é ainda maior num contexto de queda geral na venda de livros na Argentina, com redução de tiragens, configurando uma crise no setor editorial, que acompanha a crise geral da economia argentina. “Hoje, quando o país está em completo declínio político, econômico, social e cultural, espero que lendo essas páginas possamos pensar e discutir sem ódio, sem mentiras e sem queixas”, diz ela em Sinceramente.

Sobre Macri, ela diz que “poderia ter sido um capitalista bem sucedido, disciplinar o setor agroexportador com taxas escalonadas e diferenciadas, mas preferiu ser o capataz do sistema financeiro”, dentre outras críticas.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PSL), também aparece no livro, quando Cristina lembra dos avanços conquistados pela população LGBT, na Argentina, durante o seu governo. “Escrevo estas linhas em tempos de Bolsonaro, o novo presidente do Brasil que abjura das minorias e quer persegui-las… Que mundo, meu Deus!”.

Também cita as decisões de consenso criadas pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos fóruns latino-americanos e mundiais, dos longos discursos do venezuelano Hugo Chávez e da memória impressionante do líder revolucionário cubano Fidel Castro que, para quem “nada era desconhecido e, se ele não sabia, pedia que você explicasse muito detalhadamente e escutava com atenção máxima.

“Quando lembro daquelas conversas da Pátria Grande e a necessidade de estar unidos e este presente de destituição e Bolsonaros, de presidentes autoproclamados, de perseguição política e de novos endividamentos com o FMI, me pergunto: em que falhamos? O que é que não vimos? Fomos ingênuos? Como pudemos acreditar que a direita e o neoliberalismo são democráticos?”

A ex-presidenta conta os bastidores dos anos no poder, primeiro como primeira-dama do então presidente Néstor Kirchner, e depois como titular da Casa Rosada por dois mandatos. Cita avanços econômicos e políticos ocorridos durante o seu governo, como quando reestatizou, em 2007, o sistema previdenciário argentino, privatizado durante o governo Menem, faliu.

O resgate resultou na elevação em até 13 vezes do valor médio das aposentadorias, que passou a incluir 94% da população idosa, relata a ex-presidenta. Esse foi um dos motivos que acirrou o ódio dos tradicionais jornais argentinos contra Cristina, pois tinham participação indireta na gestão dos recursos da previdência privatizada.

Retrata também as desavenças entre Néstor e o papa Francisco, então cardeal Jorge Bergoglio. “No fundo, creio que a Argentina era um país pequeno demais para vocês dois juntos”, diz Cristina.

Revela também anedotas sobre a perseguição judicial que vem sendo vítima, capitaneada pelo juiz Claudio Bonadio, equivalente argentino do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro. Num dos processos, Cristina conta como ganhou de presente do presidente russo, Vladmir Putin, uma carta escrita por um dos libertadores da Argentina José de San Martin a Bernardo O’Higgins, que também participou dos esforços de independência da América espanhola. A carta foi encontrada na casa de veraneio da ex-presidente, acusada de ter roubado dos arquivos argentinos, fato negado por Cristina.

“Eles fizeram e continuam a fazer todo o possível para me destruir. Eles acreditavam que acabariam me derrubando. É claro que eles não me conhecem”, diz Cristina sobre os opositores na mídia e no Judiciário argentino.