A matéria abaixo foi publicada, originalmente, na revista Alfa, da Editora Abril. A lista teve a contribuição milionária de Erika Nakamura, com suas sugestões e provocações de quem vê Londres por um ângulo original. É um texto que dedico, com afeto, gratidão e admiração, ao jornalista Silvio Ferraz, um mestre no ofício e no caráter.
“Quem está cansado de Londres, está cansado da vida.” Não existe frase que defina melhor Londres do que esta, escrita pelo escritor Samuel Johnson, um intelectual do século 17 tão reverenciado pelos ingleses que é conhecido como Dr Johnson. Faz mais de três anos que moro em Londres, e quando paro para pensar na cidade é sempre a sentença de Johnson que me ocorre. As Olimpíadas de Londres estão chegando. Para celebrá-las, montei, de A a Z, uma lista de coisas únicas dessa incomparável cidade.
A
A é de Abbey Road, a já mítica rua da capa do disco dos Beatles. A zebra que os quatro atravessaram na clássica imagem foi tombada como um patrimônio histórico de Londres. Todos os dias e todas as horas há turistas repetindo as passadas de John, Paul, George e Ringo em Abbey Road. Beatlemaníacos de todas as partes não apenas tiram fotos como rabiscam em múltiplas línguas declarações de amor no muro do estúdio em que os Beatles gravaram quase toda a sua obra, nos anos 1960. Regularmente, o muro é pintado de branco – mais para abrir espaço a novas manifestações de paixão do que por motivos de limpeza.
B
B é das Boris Bikes, as bicicletas públicas espalhadas pelo centro de Londres. O nome deriva do homem que as colocou nas ruas: o prefeito Boris Johnson. São fáceis de usar: você pega num lugar, paga o aluguel ali mesmo e depois pode devolver em qualquer outro ponto que concentre as Boris Bikes. Passeios pelos magníficos parques de Londres – como o Hyde, o Regent ou o Green — são especialmente recomendáveis.
C
C é de Charles Dickens, o grande escritor inglês. Dickens retratou a Londres vitoriana – com seu portentoso progresso e espantosa iniquidade social — como ninguém em livros como David Copperfield e Oliver Twist. Em 1912 se comemoraram os 200 anos do nascimento de Dickens, e o Museu de Londres preparou uma exposição que o homenageia. Nela você vê até a mesa em que Dickens, caneta nas mãos, escreveu sua obra magistral e longa – cuja marca maior foi a simpatia irrestrita pelos pobres e desvalidos e a antipatia igualmente irrestrita pelos ricos e poderosos.
D
D é de Double Decker, o majestoso ônibus duplo vermelho de Londres. Pegar ao acaso um deles, subir ao segundo andar, ir até o ponto final e depois voltar é uma forma de turismo enriquecedora e barata. A cada ponto, uma voz feminina automática informa o lugar em que o ônibus está. Você pode pagar a passagem na hora, mas é altamente recomendável que, em Londres, você providencie o mais rápido possível um oyster – o cartão usado nos ônibus e no metrô. É mais prático e mais barato.
E
E é de Empire, o cassino londrino que fica na Leicester (Léster, como se pronuncia) Square, uma das raras ruas verdadeiramente boêmias da cidade. O Empire permite a você ver o avanço da China: todos os avisos têm uma versão no idioma chinês. Algumas mesas de jogo são compostas unicamente por chineses.
F
F é de futebol. Os ingleses inventaram o jogo, e são tão apaixonados por ele quanto os brasileiros. Visitar um dos grandes estádios de Londres é um passeio obrigatório para quem gosta de futebol. No Stamford Bridge, o estádio do Chelsea, você pode ver imagens inesquecíveis como a do goleiro William Fatty Foulke. Com seus 150 quilos, Fatty defendeu a meta do Chelsea no começo dos anos 1900. As lojas dos estádios londrinos são o complemento perfeito para a visita: de camisas a dvds, de agasalhos a gorros, você encontra uma variedade rica de produtos do clube.
G
G é de Globe, o teatro que reproduz uma casa de espetáculos tal como era na época de Shakespeare, há 400 anos – uma arena rústica. A programação é, naturalmente, shakesperiana. E original: em 2012, inspirado na confraternização dos povos representada pelas Olimpíadas, o Globe está passando entre abril e agosto 37 peças de Shakespeare montadas por companhias de 37 diferentes países em 37 idiomas. Ao Brasil, coube uma montagem de Romeu e Julieta – a primeira e provavelmente última vez em que o português será a língua do teatro de Shakespeare.
H
H é de Hampestead Heath, o magnífico parque rústico em cujo topo você tem a vista mais abrangente de Londres. Tire o maior número possível de fotos ali. É uma área sagrada para os londoners. Guarde um pouco de fôlego, se puder, para depois dar um pulo a um cemitério ali perto, o Highgate. Mortos ilustres estão lá, entre os quais Karl Marx, em cujo túmulo você encontra uma estátua imponente ao pé da qual visitantes de várias partes depositam até hoje mensagens manuscritas de admiração e gratidão.
I
I é de Iplayer, o site que abriga a programação da BBC. Você só pode usá-lo enquanto está na Grã Bretanha. Aproveite. Documentários, seriados, programas cômicos e jornalísticos têm uma qualidade como você jamais viu e provavelmente jamais verá no Brasil. No iPlayer, você tem o recurso das legendas em inglês, para facilitar ainda mais. O conteúdo vai sendo automaticamente renovado. Em geral, você tem uma semana para ver qualquer programa antes que ele saia do iPlayer. Acompanhar no iPlayer a cobertura da BBC das Olimpíadas é fortemente recomendado.
J
J é pelo Jubileu da Rainha Elizabeth. São 60 anos de trono, e os ingleses estão festejando tão entusiasmadamente que apareceu uma proposta de dar um novo iate a ela no valor aproximado de 130 milhões de reais. Tamanha generosidade gerou um debate acalorado sobre o sentido de um presente tão caro num momento em que a Inglaterra enfrenta uma crise econômica aguda. Rapidamente o governo descartou a hipótese de usar dinheiro do contribuinte, o que dissipou a controvérsia.
K
K é de Kate. Kate Middletton, a Duquesa de Cambridge – a bonita, desejável, plebeiamente irresistível mulher do Príncipe Harry. Você pode abraçar e tirar fotos com Kate: basta ir ao museu de cera Madame Tussauds. Recentemente o casal Kate e Harry foi acrescentado ao acervo de estátuas do Tussauds. O resultado é que o movimento se ampliou consideravelmente no Tussauds. Os visitantes se aglomeram em torno de Kate, e deixam o marido à parte. A melhor forma de visitar o Tussauds — e apreciar a beleza suave de Kate — é comprando ingressos pela internet. É mais prático e também mais barato.
L
L é pela centenária Ladbrooks, a maior casa de apostas de Londres e do mundo. O londrino é tão fanático por apostas quanto por chá. Você encontra lojas de apostas em virtualmente qualquer lugar por que ande em Londres. Entrar numa delas – você não paga nada — é uma experiência interessante. Você pode ver apostadores ansiosos em frente de uma televisão em que cachorros disputam uma corrida acirrada.
M
M é de Millais, o maior pintor da escola pré-rafaelita – que chacoalhou e renovou a arte inglesa na segunda metade do século 19, a exemplo dos impressionistas na França. Millais fez a obra-prima do movimento: a Ofélia de Shakespeare, morta afogada num lago campestre. Você pode e deve ver este quadro na Tate Britain, um dos principais museus de Londres. O bastidor é fascinante: a modelo de Millais, Elizabeth Siddal, uma ruiva deslumbrante que seria a primeira supermodelo britânica, quase morreu de pneumonia porque a água da banheira em que ela posou não foi suficientemente aquecida.
N
N é de National Gallery, o grande museu de Londres localizado em Trafalgar Square, um dos melhores pontos para você passar uma tarde de sol. Na NG – gratuita, como todos os museus londrinos, exceto nas exposições especiais – você encontra obras relevantes de gênios como Turner, Monet, Ticiano etc etc. Fora dela, pode apreciar a grandeza da estátua de Nelson, o almirante que derrotou a armada francesa em Trafalgar – um evento do qual Napoleão jamais conseguiria se recuperar. Nelson morreu em Trafalgar, atingido por um tiro francês. Teve tempo, na agonia, de saber que a batalha – antes da qual ele disse esperar que todo inglês cumprisse seu dever, uma frase das mais citadas e admiradas entre os britânicos — fora vencida.
O
O é de One Under, ou Alguém Lá Embaixo, numa tradução livre, o jargão usado entre os funcionários do metrô para se referir às pessoas que, como a Ana Karenina de Tolstoi, se atiram sob um trem para se matar. Todos os anos, cerca de 50 pessoas se suicidam em Londres desta forma rápida, certeira e na qual a dor não dura senão segundos.
P
P é de pint, que se pronuncia páinti. É, basicamente, o que você vai pedir quando for a um pub em Londres. Pint, a rigor, é uma medida: equivale a um pouco menos de 600 mililitros. Mas a palavra acabou se consagrando pelo conteúdo – cerveja. Nos pubs de Londres você encontra as melhores cervejas do mundo. Na hipótese improvável de você achar uma pint muita coisa, existe uma alternativa mais branda. Você pode pedir uma half pint.
Q
Q é de Queue, a lendária fila em que você pode encontrar ingressos para o torneio de tênis de Wimbledon a preços bem abaixo dos habituais. Mais que uma fila, é uma festa: as pessoas acampam numa área reservada para barracas e passam a noite cantando, bebendo e, quando dá certo, fazendo sexo. Se você prefere dormir em casa, pode ir para a Queue a hora em que quiser: o único problema é que já não vai encontrar ingresso para as quadras principais.
R
R é de Roseta, a pedra que é a maior atração do British Museum. Na pedra está escrito em três línguas um decreto de um rei egípcio. Isso permitiu a dois estudiosos – um francês e outro inglês — decifrar no início do século 19 , separadamente, os hieróglifos, um passo enorme na história do conhecimento da humanidade. A pedra, descoberta no Egito, foi tomada primeiro pelas tropas francesas de Napoleão. Depois, ao baterem os franceses, os ingleses se apropriaram dela. Uma réplica em tamanho gigante está na França. Para o Egito, não sobrou senão o sentimento de pilhagem.
S
S é de Serpentine, o lago do Hyde Park. Nele você pode fazer variadas coisas no verão: nadar, andar de pedalinho ou, simplesmente, contemplá-lo numa espreguiçadeira. Há dois restaurantes no Serpentine, que se pronuncia serpentáine, e neles você pode comer bem e barato. Se você quiser se carregar de algum conteúdo artístico no Hyde, basta ir à excelente galeria Serpentine, ali mesmo dentro do parque.
T
T é de Tube, como os londrinos chamam o metrô – o primeiro do mundo, e uma referência internacional ainda hoje, 150 anos depois da inauguração das estações iniciais. Tube é literalmente tubo, e o metrô de Londres se tornou conhecido assim pela forma dos túneis. Transporte subterrâneo foi uma ideia de um visionário chamado Charles Pearson. Os engarrafamentos do centro de Londres em meados do século 19 levaram Pearson, um advogado, à conclusão de que a solução estava em trens que transportassem passageiros pelos subterrâneos da cidade. Pearson lutou anos pelo projeto, e morreu antes de vê-lo transformado em realidade, em 1862.
U
U é de umbrella. Não saia sem ela em Londres. Chuva é parte da paisagem da cidade.
V
V é de Victoria & Albert Museum. Não bastassem a beleza do prédio e a riqueza do acervo, o V&A tem uma loja em que você pode comprar coisas baratas e extremamente charmosas, de roupas e bijuterias a cartazes e livros. Recomendo fortemente a compra de um cartaz vermelho com dizeres em branco, usado pelo governo na Segunda Guerra para manter alta a moral dos ingleses sob bombas alemãs. “Keep Calm and Carry On”, diz o cartaz. Fique calmo e siga em frente. Sócrates não diria coisa mais sábia.
X
X é pelo incomparável xis do Byron, o melhor de Londres. Para quem pensa que não existe cheeseburger melhor que os de São Paulo, o Byron oferece uma deliciosa – ainda que não exatatamente saudável — oportunidade de uma nova reflexão.
Z
Z é de zzzzzzz. Não esqueça: Londres dorme cedo. Muito cedo. Se você quer farra na madrugada, é melhor optar por Paris.