Londres em minha carreira. Isso é muito pouco. É melhor dizer: Londres em minha vida.
Londres me transformou como jornalista e como homem.
Como um típico garoto de classe média de minha geração, jamais fiz nada nos chamados serviços domésticos. Não me lembro de ter arrumado minha cama uma única vez, por exemplo. Ou de ter feito a louça. Dona Isabel, nossa empregada, levava o café da manhã – na verdade um Nescau gelado, no meu caso – na cama para mim e meus irmãos.
Casado, a coisa não mudou muito, até porque estava mergulhado na carreira e achava que o trabalho duro merecia ser recompensado com uma vida folgada em casa. Veja. Não estou dizendo que eu estivesse certo. Apenas que a vida era assim.
Não estranha que cheguei a Londres em 2009 sem saber fritar um ovo. Nesse campo, o máximo a que eu chegara era um misto quente.
É com um certo orgulho que digo que sei hoje fritar um ovo.
Mas aprendi muito mais, pelas circunstâncias. Classe média em Londres não tem empregada. Você pode contratar arrumadeiras – cleaners. Custa cerca de 12 libras por hora, ou um pouco mais de 30 reais, As cleaners podem fazer alguma coisa, mas no fim o grosso é por sua conta.
Isso quer dizer que faço minha cama, aspiro o quarto, cuido de minha louça etc. Quando o apartamento tem mais pessoas, as tarefas são divididas. Como pai, vi, feliz, os progressos de meus dois filhos homens em atividades domésticas das quais, como eu, eles estiveram sempre distantes. (Quando passa férias em Londres, Camila, a caçula, é poupada e mimada pelo pai, que leva a ela, como Dona Isabel, café na cama. Não espalhe, por favor. É nosso pequeno segredo.)
É, para todos nós, um ganho precioso em auto-suficiência. Devo isso a Londres. Devemos.
Profissionalmente, Londres me devolveu o entusiasmo perdido. A verdade é que nos últimos tempos de minha carreira eu como que vinha tirando as folhas do calendário à espera da aposentadoria aos 55 anos. Muito tempo seguido de uma rotina cheia de reuniões e escassa em coisas que me fizeram ser jornalista. Escrever, por exemplo.
Voltei a escrever em Londres.
E me digitalizei, com o Diário do Centro do Mundo. Tive, aí, uma ajuda formidável de meu filho Pedro, 26 anos, jornalista como eu. Nos primeiros tempos, eu enviava por email meus textos a Pedro e ele os postava e, caprichosamente, os enriquecia com fotos, vídeos e links. Antes de retornar a São Paulo, no final de 2009, Pedro pacientemente me ensinou a postar. Recebi de meu incrível garoto mais uma lição de auto-suficiência.
Recomendo a todo jovem jornalista que se esforce por ter, em sua carreira, uma experiência internacional. Faz você ver o mundo de outro ângulo. O Brasil, até pelas dimensões continentais, é um país paroquial, e o paroquialismo acaba se inoculando em nós ao longo de nossa vida numa redação. A gente acaba confundindo o Brasil com o globo.
Aqui, pela proximidade, pude ter contato com coisas fascinantes como o jeito escandinavo de ser – uma mistura extraordinária do melhor do capitalismo com conquistas do socialismo. Não espanta que, nas pesquisas que são feitas internacionalmente para a aferição do grau de felicidade das pessoas, os países da Escandinávia, Dinamarca e Suécia à frente, ocupem invariavelmente as primeiras colocações.~
Vigora neles a Janteloven – uma cultura derivada de um escritor local que, basicamente, estabelece que ninguém é melhor ou pior que ninguém por causa do dinheiro, da posição social ou o que quer que seja. Alguns de meus melhores momentos na Europa foram passados na Escandinávia, em cidades como Estocolmo e Copenhague, esta esplêndida com suas procissões incessantes de bicicletas.
Pude aprender muito também em termos estritamente de jornalismo. A Inglaterra tem uma mídia de altíssimo nível. Na minha opinião, é a melhor do mundo. Sobretudo a BBC – o que de mais perto já vi em termos do ideal jornalístico de isenção – me fornece constantemente aulas magnas.
Londres tem sido um MBA para mim.
Não consigo me ver sem São Paulo, onde nasci, cresci e pretendo morrer. Mas também já não consigo me ver sem Londres e seus parques, pubs, museus, double deckers, seu cosmopolitismo blasé– e todas aquelas coisas, grandes e pequenas, que fazem dela a cidade mais interessante do mundo.