“Lula tinha uma política mais eficaz que Bolsonaro contra o desmatamento”, diz ao DCM ministro francês

Atualizado em 3 de dezembro de 2021 às 15:09
Riester
O ministro francês do Comércio Exterior e da Atratividade Franck Riester. Foto: Willy Delvalle/DCM

“Os resultados são particularmente ruins e estão piorando. É o caso da Amazônia e de outros biomas”, diz o ministro francês do Comércio Exterior e da Atratividade Franck Riester em entrevista exclusiva ao DCM.

O setor brasileiro da soja protesta, mas a França trabalha junto à Comissão Europeia para proibir o desmatamento importado. Hoje um dos países mais reticentes a ratificar o acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul e um dos principais importadores de soja, a França exige garantias ambientais e de respeito aos direitos humanos principalmente do Brasil, mas o governo Bolsonaro vai na contramão.

O ministro expõe a visão francesa sobre o acordo e responde às críticas da Associação Brasileira dos Produtores de Soja. “Essa proibição do desmatamento se aplicará a todos os países que exportam para a União Europeia e se aplicará também aos produtos europeus. Não faremos diferença entre um produtor europeu, um produtor brasileiro ou um produtor de algum país da Ásia.”

A França propõe “sanções em último caso para tornar nossos engajamentos recíprocos mais credíveis” em matéria ambiental e social. Questionado se o retorno de Lula à presidência do Brasil no ano que vem estimularia o país a ratificar o acordo com o Mercosul, Riester elogia a gestão do petista na comparação com o governo atual. “Ele (Lula) tinha manifestamente uma política mais eficaz para reduzir o desmatamento do que Bolsonaro”.

Se a França está disposta a renegociar o acordo depois das eleições, o ministro responde que o país precisa de garantias ambientais e sociais por parte do Brasil. “Isso precisa de diálogo, o que vai necessariamente levar tempo”.

Questionado se Bolsonaro erodiu a confiança francesa para investir mais no Brasil, Riester vê um potencial que pode ser aproveitado sob uma futura nova relação bilateral. “Há um potencial, há parcerias que já foram seladas e que podem se desenvolver no futuro, claro, numa relação bilateral renovada”.

Para o ministro, uma eventual vitória da extrema direita nas eleições presidenciais do próximo mês de abril é uma ameaça. “A ascensão da extrema direita seria ruim para a atratividade do nosso país”.

DCM: A França assinou um compromisso na COP 26 para acabar com o desmatamento e restaurar as florestas até 2030. Como esse engajamento se traduzirá concretamente no comércio exterior francês?

Franck Riester: A França tem uma estratégia tendo por horizonte 2030, que passa principalmente por uma política comercial europeia mais sustentável e que visa a lutar contra o desmatamento.

Conforme a nossa estratégia nacional, nós apoiamos plenamente o projeto de regulamentação para combater o desmatamento sobre um determinado número de produtos que podem provocá-lo – a carne bovina, a soja, o óleo de palma, o cacau, o café e a madeira – com um dever de vigilância por parte das empresas que trabalham no setor para garantir que eles foram produzidos legalmente e sem desmatamento.

Em segundo lugar, revisar o capítulo sobre desenvolvimento sustentável dos futuros acordos de livre-comércio para esclarecer os engajamentos em termos de desmatamento e reforçar a cooperação e reforçar a cooperação sobre essa questão crucial.

Desejamos também revisar o Sistema de Preferências Generalizadas para levar em conta o desenvolvimento sustentável, principalmente contra o desmatamento importado.

DCM: Qual é a posição da França hoje sobre o acordo de livre-comércio negociado entre a Comissão Europeia e o Mercosul? Reticente?

A França pensa que aumentar os fluxos comerciais com os países do Mercosul seria algo bom. Seria útil para o crescimento na Europa e no Mercosul principalmente neste período de recuperação, mas isso não pode ser feito a qualquer preço. Certamente não em detrimento da floresta, do clima, nem da segurança do consumidor europeu.

Considerando o aquecimento global, tanto por meio do desmatamento, principalmente na Amazônia, quanto a questão do respeito às normas fitossanitárias dos produtos que entram no mercado europeu, dada a situação no Mercosul e principalmente no Brasil, não podemos ratificar um acordo de livre-comércio hoje. Precisamos de garantias, e quando olhamos a situação real, os fatos nos dão razão.

Quando vemos que o desmatamento aumentou 22% entre 2020 e 2021 no Brasil, atingindo um nível recorde desde 2006, isso demonstra muito bem que, contrariamente aos nossos objetivos, isto é, uma política eficaz em relação ao combate ao desmatamento, os resultados são particularmente ruins e estão piorando. É o caso da Amazônia e de outros biomas. Esse desmatamento também vai contra o Acordo de Paris. Parece-nos importante ter garantias claras nessa questão.

Estamos trabalhando junto à Comissão (Europeia) e os outros Estados-membros que compartilham dos nossos valores. Fizemos propostas à Comissão para ver de que maneiras podemos definir com os países do Mercosul as expectativas precisas da União Europeia em relação aos países do Mercosul na referida questão. Isso está em andamento na Comissão. Depois, haverá um trabalho de aproximação e discussão com os países do Mercosul para especificar as diferentes garantias em relação ao desmatamento, ao respeito ao Acordo de Paris e questões fitossanitárias.

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DCM: A Associação Brasileira de Produtores de Soja protesta contra a proposta da Comissão Europeia de restringir a importação de soja e bovinos advindos do desmatamento. Ela acusa os países europeus de protecionismo disfarçado e de colonialismo. Como vocês veem essa posição?

Eu não vou criar polêmica. O objetivo não é esse, é ambiental, reduzir o desmatamento e lutar contra o aquecimento global. Estaremos atentos, é essa a estratégia europeia, a estratégia francesa, para que a produção de certos produtos, como a soja, mas também os bovinos, o óleo de palma ou ainda o cacau, seja sustentável.

É a política europeia, uma política que se insere nas regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), sendo totalmente compatível pois essas obrigações se aplicarão a todos os produtores. Essa proibição do desmatamento se aplicará a todos os países que exportam para a União Europeia e se aplicará também aos produtos europeus. Não faremos diferença entre um produtor europeu, um produtor brasileiro ou um produtor de algum país da Ásia.

Não se trata de discriminar exportadores brasileiros. A questão é implementar uma política que garanta que os produtos consumidos na Europa, como a soja na França, não provenham do desmatamento. É o objetivo que perseguimos, um objetivo que é inclusive compartilhado por certos produtores de soja brasileiros e pelos próprios brasileiros.

DCM: Agricultores franceses e ONGs ambientais são muito céticos em relação a esse acordo de livre-comércio. Nas suas conversas com os franceses de um modo geral, o que eles exigem em relação a esse acordo?

Efetivamente, há cada vez mais preocupações em relação à ratificação de acordos de livre-comércio. Se nós somos favoráveis aos acordos de livre-comércio que permitem que as trocas sejam ao mesmo tempo facilitadas e regulamentadas, não podemos aceitá-los a qualquer preço. Os fluxos comerciais não devem ocorrer em detrimento da biodiversidade, do clima, da floresta, nem dos direitos humanos ou dos direitos sociais.

Revisamos nossa política comercial europeia, estamos aplicando-a aos nossos acordos comerciais sejam mais exigentes na questão do desenvolvimento sustentável. Por exemplo, nós queremos fazer do Acordo de Paris algo “essencial” nos nossos acordos de livre-comércio, ou seja, que possa haver capítulos nesses acordos de livre-comércio sobre a sustentabilidade, a biodiversidade, a floresta, o clima, os direitos sociais, a questão do trabalho forçado, o trabalho infantil.

Se os acordos de livre-comércio forem exigentes em questão de sustentabilidade, eles podem ser um meio de construir fluxos comerciais responsáveis com os países que assinamos esses acordos. Para isso, é preciso que eles sejam ambiciosos nesse âmbito.

DCM: Ambição e exigência passam por sanções. É isso que vocês propõem?

Nós propomos sanções em último caso para tornar nossos engajamentos recíprocos mais credíveis, como já é o caso para o resto dos dispositivos desses acordos. Claro que o objetivo não é de impor sanções, mas aumentar nossas ambições em comum, pela cooperação e a aceitação mútua de um quadro no qual esses fluxos comerciais devem ocorrer. Se uma cadeia de valores e de aprovisionamento são sustentáveis, respeitosas do meio ambiente, das mulheres e homens que trabalham, e que respeitem normas sanitárias e fitossanitárias para entrar no mercado europeu, para serem disponibilizados para os consumidores europeus, esses produtos serão bem-vindos.

Mas os acordos em que só conta o aumento dos fluxos comerciais, sem levar em consideração outras preocupações importantes para nós, como o clima, o oceano, a biodiversidade, a floresta, as mulheres, os direitos humanos, sociais, são para nós acordos do passado. Não queremos mais. Queremos acordos que regulem melhor as trocas, que sejam sustentáveis e resilientes.

DCM: Mas antes da ratificação pela França, essas violações aos direitos humanos e o desmatamento estão em curso…

Sim. Mas justamente a política comercial pode ser um meio de fazer evoluir preocupações maiores que ultrapassam questões comerciais. Não é o único, mas é um deles.

Queremos ter na nossa política comercial um instrumento para bloquear produtos advindos do trabalho forçado. Queremos também integrar nos capítulos sobre desenvolvimento sustentavel dos acordos de livre-comércio o respeito às convenções internacionais do direito do trabalho, contra o trabalho infantil ou a escravidão moderna, etc.

Aproveitemos o interesse de determinados países em exportar para a Europa para lhes dizer: nós aceitamos que vocês exportem para a Europa, queremos inclusive facilitar essas exportações, sob condição de que vocês sejam exemplares na questão ambiental e de direitos humanos.

DCM: Recentemente, o ex-presidente Lula se reuniu com Emmanuel Macron. Um retorno de Lula à presidência do Brasil tranquilizaria a França em relação à gestão ambiental brasileira?

Não me cabe me intrometer na política interna brasileira. O que é fato é que, em termos ambientais, ele tinha manifestamente uma política mais eficaz para reduzir o desmatamento do que Bolsonaro. Mas a escolha é dos brasileiros e não de um ministro francês se intrometer nas questões internas do Brasil.

DCM: Lula presidente é uma perspectiva que favorece a ratificação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul?

Não é uma questão de personalidade. É uma questão de política. Seja Bolsonaro, seja Lula, queremos garantias que possamos verificar e que demonstrem bem que sobre o clima e a floresta, as coisas mudam e mudam radicalmente.

É por isso que trabalhamos atualmente junto à Comissão Europeia para propor aos países do Mercosul garantias bastante precisas e meios de verificar que esses objetivos e exigências sejam satisfeitos.

DCM: O ex-presidente Lula reivindicou que o acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul seja mais simétrico e que os países sul-americanos sejam também exportadores de tecnologia, não apenas de commodities. Vocês concordam ou discordam sobre esse ponto?

A ideia não é impedir a importação de produtos manufaturados, processados, de alto valor agregado, do Mercosul. Que haja uma vontade de criar mais produtos de alto valor agregado por parte dos países do Mercosul é totalmente compreensível, claro.

DCM: O senhor concorda com essa proposta?

Sim, mas isso depende de como isso se traduz e isso eu não sei. Que o Brasil e os países do Mercosul tenham vontade de ter mais cadeia de valor sobre seu território faz sentido.

DCM: O presidente brasileiro atual é contrário à renegociação do acordo. O senhor é favorável a renegociá-lo após as eleições no Brasil?

Trabalhamos sobre garantias que permitiriam assegurar que estejamos numa situação muito melhor que a atual em relação ao Acordo de Paris e ao desmatamento. Independe dos interlocutores. Para mim, a questão não é de me posicionar no debate nacional brasileiro. Trata-se de ter garantias, verificá-las e isso precisa de diálogo, o que vai necessariamente levar tempo.

DCM: A França tem uma relação econômica com o Brasil muito intensa, com muitos investimentos, diversas empresas francesas presentes em solo brasileiro. O governo Bolsonaro erodiu a confiança da França para investir mais no país?

É fato que há muitas empresas francesas que investem e continuam investindo no Brasil, primeiro porque elas não misturam o governo do momento presente com o Brasil, seu povo e suas empresas.

Em segundo lugar, evidentemente, no Brasil há mercados, há um potencial, há parcerias que já foram seladas e que podem se desenvolver no futuro, claro, numa relação bilateral renovada.

DCM: Eric Zemmour oficializou sua candidatura à presidência do país. O avanço da extrema direita é um perigo para a atratividade da França?

Eu penso que a ascensão da extrema direita seria ruim para a atratividade do nosso país. Hoje não é o caso e a França é muito atrativa.

A França é o país europeu mais atrativo em termos de investimentos estrangeiros, à frente da Grã-Bretanha e da Alemanha, principalmente na indústria. Reformas muito importantes foram feitas desde 2017 pelo presidente Macron: redução de impostos; mercado de trabalho mais flexível; redução de amarras administrativas; investimento na inovação e na tecnologia.

Temos um ecossistema de startups muito dinâmico. A França é o país da União Europeia onde as startups obtiveram mais investimentos, mais de 10 bilhões de euros em 2021, porque há uma verdadeira dinâmica, muito positiva, uma competitividade na França. Há uma bela dinâmica e a chegada da extrema direita seria uma péssima notícia em termos de atratividade, levando em consideração a política que ela propõe, o que degradaria fortemente o clima de negócios.

DCM: Os brasileiros sofrem com uma inflação crescente e fracas perspectivas econômicas. Esse cenário corre o risco de se repetir na França com a extrema direita?

Eu não projeto cenários obscuros. Eu me concentro em defender os resultados do presidente da República e tentar apoiá-lo para que ele possa ser reeleito em 2022. Esse é meu único objetivo.