POR MIGUEL ENRIQUEZ
A declaração do ministro Paulo Guedes de que “estamos convencidos de que Lula não roubou um tostão” bombou.
Reproduzida no blog do Juca Kfouri, um dos jornalistas mais respeitados do país, a frase, pronunciada pelo Posto Ipiranga durante uma reunião com os presidentes de seis Tribunais de Contas estaduais, no dia 12 de março, em seu gabinete no sexto andar do ministério da Economia, em Brasília, logo se tornou um dos assuntos mais comentados nas redes sociais.
Entre os apoiadores do ex-presidente, a fala do ministro da Economia soou como música, uma espécie de reconhecimento de sua inocência diante da perseguição infame e sem trégua promovida pela Lava Jato, comandada por seu algoz, o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, colega de Guedes no primeiro escalão do governo Bolsonaro.
Trata-se, na verdade, de um tapa na cara do conge da dona Rosangela Moro, que fez da condenação e encarceramento sem provas de Lula não apenas um projeto de vida, como um trampolim que o guindou da mediocridade da 13ª Vara da Justiça Federal, em Curitiba, para o estrelato na política nacional, idolatrado pelo que há de mais obscuro e reacionário na sociedade brasileira.
Como fica Moro diante da convicção do colega da inocência de sua vítima?
Não por acaso, os seguidores de Moro e o esgoto bolsonarista reagiram às palavras de Guedes, rotulando-o de comunista.
Diante da reação, o próprio Guedes tentou dar uma volta na galera, tachando de fake news a informação de Juca Kfouri.
“Digo sempre que não acredito que nossas lideranças tenham entrado na política para roubar, mas que o modelo econômico corrompeu a política e estagnou a economia. Isso é o que digo, não falo de pessoas em particular”, afirmou Guedes a um site de extrema direita.
No entanto, mesmo diante da retificação do ministro da Economia, Kfouri manteve o que escreveu.
Até porque, menos de um mês depois da reunião com os presidentes dos TCEs, Guedes, conhecido por não ter papas na língua, não poupou elogios ao ex-presidente, numa de suas intervenções na sessão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, realizada na quarta feira, 3 de abril.
Mais precisamente, ao comentar o Bolsa Família e o papel de Lula, tão criticados por seu chefe Bolsonaro.
Disse Guedes: “Vários governos que passaram gastaram R$ 300 bilhões, R$ 400 bilhões por ano pagando juros da dívida sem tomar nenhuma medida para corrigir. E o Lula chegou e pegou R$ 10 bilhões só, e atingiu 40 milhões de família favoravelmente com o Bolsa Família. Isso é um impacto extraordinário. Mereceu ganhar uma eleição, duas eleições. Soube trabalhar. Com pouco dinheiro melhorou a vida de muitos de brasileiros.”
Para desgosto do bolsonarismo raiz, não foi a primeira vez que Paulo Guedes manifestou alguma simpatia por Lula. Lá atrás, no primeiro ano do primeiro mandato do líder petista, o hoje ministro da Economia escreveu pelo menos dois artigos elogiosos ao seu governo na revista Exame.
Um exemplo é o que escreveu em sua coluna na edição de 12 de fevereiro de 2003, com o sugestivo título de “Há governo e não sou contra”, complementado pelo subtítulo: “As críticas à política econômica do PT vêm de radicais e ressentidos”.
Por ressentidos, diga-se, entenda-se políticos e economistas tucanos, inimigos figadais de Paulo Guedes.
“Até o momento, Lula e seu alto comando exibiram enorme competência na ocupação do governo e na construção das pontes para a aprovação das reformas no Congresso”, afirmou Guedes na abertura do artigo.
“A firmeza da área econômica em defesa da austeridade fiscal, das metas inflacionárias e da flexibilidade cambial, colocou a crise em “câmara lenta”, enquanto se acelera a montagem da operação política de resgate das reformas previdenciária, tributária e trabalhista.”
Por uma dessas ironias da história, além de elogiar personagens como Antonio Palocci, então ministro da Fazenda, e José Genoino, presidente do PT, Guedes ressaltava o papel do Chefe da Casa Civil, José Dirceu. Ele mesmo, o pai do deputado Zeca Dirceu (PT-PR), que no recente entrevero na CCJ, cravou-lhe o epíteto de “tchutchuca” quando se trata de cortar privilégios de ricos e banqueiros.
Há quem se pergunte sobre as razões das duas menções favoráveis de Guedes a Lula em tão curto espaço de tempo.
Uma hipótese possível é que se trate de um estratagema para atrair votos petistas para o seu projeto de Reforma da Previdência.
Outra explicação plausível é que o ministro, conhecido por seu pensamento independente, tenha sido vítima do chamado sincericídio, o que, sem dúvida, desagradou a direita xucra que o cerca no governo.
Em todo caso, resta, da conversa com os presidentes dos Tribunais de Contas dos Estados, uma dúvida: a quem estaria Guedes se referindo ao dizer que “estamos convencidos de que Lula não roubou um tostão”.
Seriam outros personagens do governo?
Seria o próprio Moro, arrependido das lambanças da condenação sem provas de de Lula?
Ou seria o mero emprego do plural
majestático?