Lula faz mais de 15 reuniões na Europa em 4 dias: quem vai encontrar e por quê

Atualizado em 20 de junho de 2023 às 20:06
Chegada de Lula e Janja à Itália nesta terça-feira (Foto: reprodução)

Lula tem agenda cheia na turnê europeia de 4 dias que vai até sexta-feira.

Após a chegada à capital italiana nesta terça-feira, a agenda do presidente começou com um encontro com o sociólogo do trabalho Domenico de Masi, especialista na sociedade pós-industrial do século XXI. O encontro tem interesse particular em vista da estratégia do governo federal de priorizar a reindustrialização do Brasil, setor em queda nos últimos anos.

Nesta quarta, serão pelo menos 8 reuniões bilaterais. O destaque é para o encontro com o Papa Francisco, com quem o presidente tece uma relação de proximidade anteriormente à sua chegada à presidência. Lula deve reforçar o convite para uma visita do líder da igreja católica ao Brasil.

Lula também vai falar com a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, do partido pós-fascista Fratelli d’Italia (Irmãos da Itália), num gesto de diálogo com a liderança de extrema direita, eleita no ano passado. O encontro é particularmente interessante já que a primeira-ministra havia sido questionada por não enviar nenhuma alta figura para a posse do presidente brasileiro.

Lula também encontra o presidente italiano Sergio Mattarella, que oferece ao chefe de Estado brasileiro e a Janja Lula um almoço como forma de homenagem.

A agenda prevê no mesmo dia um encontro com a secretária-geral do Partido Democrático Italiano (centro-esquerda) Elly Schlein, recentemente eleita para resgatar o partido que já comandou a República Italiana e definhou nos últimos anos. Schlein é bissexual e ganhou notoriedade ao se opor à linha anterior do ex-primeiro ministro Mateo Renzi, que optou pela liberalizaçao das leis de trabalho. Elly defende uma virada à esquerda no partido.

A questão dos direitos trabalhistas no novo cenário global ganha portanto um caráter particular na agenda de Lula pela capital italiana. O presidente conclui sua passagem por Roma em encontro com da cidade Roberto Gualtieri.

França e o planeta

Na França, Lula tem reuniões bilaterais com diversos presidentes do chamado “Sul global” em meio ao Novo Pacto Financeiro Global, celebrado em Paris nos dias 22 e 23. O evento é uma iniciativa francesa e reúne mais de 40 chefes de Estado, grandes empresários e ativistas como Greta Thunberg.

A proposta é iniciar uma discussão sobre a reestruturação do cenário econômico global integrando as consequências das mudanças climáticas, cujas previsões são piores para os países do hemisfério Sul. Outro grande tema do evento é aumento do endividamento destes, notadamente perante a China, e principalmente depois da pandemia. As consequências alimentares e econômicas da Guerra na Ucrânia, principalmente na África, são outro aspecto a ser debatido durante os trabalhos.

O governo brasileiro não vai discursar durante os painéis, mas foi convidado a participar das reuniões de trabalho do evento.

O perfil das reuniões bilaterais do presidente Lula reforça a retomada da política externa emblemática dos governos do PT, a da cooperação “Sul-Sul”, ou seja, entre países do hemisfério sul.

Na quinta-feira, ele encontra logo de início o presidente da África do Sul Cyril Ramaphosa. O pais é membro do BRICS, grupo integrado também pelo Brasil, Rússia, Índia e China. A África do Sul sedia o próximo encontro dos BRICS.

A reunião de Lula com seu homólogo sul-africano é um passo nessa direção, assim como no restabelecimento das relações com a África, abandonadas desde o golpe, em particular por Jair Bolsonaro, que não fez uma visita oficial sequer a um dos países do continente, uma ruptura com a política externa conduzida pelos governo do PT.

A grande diferença é que o Brasil agora corre atrás da África, que parece ganhar um protagonismo maior na cena internacional, em particular por sua proposta de mediação para a Guerra na Ucrânia. Um grupo de países africanos visita Kiev e Moscou com esse objetivo.

A iniciativa parece mais valorizada pelas potências globais do que a proposta brasileira, que previa justamente criar um grupo de países “não envolvidos” na Guerra para encontrar uma solução. O governo Lula pode estar tentando combinar as duas propostas.

Lula visitou Domenico De Masi em 2020. Em 2019, foi visitado pelo sociólogo na prisão, injustiça denunciada pelo intelectual italiano. (Foto: Ricardo Stuckert)

A agenda de Lula tem também um foco latino-americano. O presidente encontra seu homólogo cubano Miguel Díaz-Canel e, logo depois, tem uma reunião bilateral com o presidente haitiano Ariel Henry. A grave situação econômica de ambos por diferentes razões leva o Brasil a reforçar a necessidade de uma solução transnacional para os países caribenhos; o primeiro, afetado por sanções americanas, e o segundo por instabilidade política, o desmantelamento do Estado, uma dívida abissal e a explosão da violência.

Uma configuração que leva suas populações a fluxos migratórios crescentes, que percorrem o Brasil e outros países da América do Sul e se submetem a diversos riscos e violações de direitos humanos na tentativa de chegar aos Estados Unidos e ao Canadá.

Na sequência, Lula se reúne com o Presidente da COP-28 nos Emirados Árabes Unidos, o Sultão al Jaber. A Conferência do Clima ocorre entre novembro e dezembro deste ano. Será a primeira de Lula já como presidente. O clima é a área em que o Brasil tem mais “capital político” internacional atualmente com o retorno de Lula à presidência e seus engajamentos ambientais, em oposição ao descrédito internacional no qual o pais havia caído com Bolsonaro, que não foi a nenhuma COP, negando as mudanças climáticas e ganhando as manchetes mundo afora pelo desmatamento (encorajado) na Amazônia.

As mudanças climáticas são incorporadas assim como eixo central da agenda internacional brasileira, ainda mais considerando que o Brasil vai sediar a COP30, sob iniciativa do governo Lula.

Sinal de uma credibilidade internacional e de uma esperança recuperada depois de um governo terra-arrasada, Lula foi convidado pelo Coldplay a discursar no Power Our Planet, evento em Paris que reúne líderes mundiais, militantes e artistas como Billie Eilish, Lenny Kravitz e H.E.R.

Se a imprensa europeia comparou a turnê de Lula em novembro de 2021 pelo continente com a de um “rock star”, desta vez, a comparação é quase literal. Lula vai praticamente abrir o evento na capital francesa, com um discurso marcado para às 20h15.

Na sexta, Lula participa das reuniões de trabalho do Novo Pacto Financeiro Global e segue para o Palacio do Eliseu, onde almoça com o presidente francês Emmanuel Macron.

Assim como para o Papa Francisco, o mandatário brasileiro vai reforçar um convite ao presidente da França para uma visita oficial ao Brasil, a que seria a primeira de Macron desde sua posse em 2017, prova da degradação das relações oficiais franco-brasileiras desde o golpe e do exercício de inflexão e retomada engajado por Lula.

Como disse repetidas vezes, inclusive ao DCM em novembro de 2021, Lula quer aprovar o acordo de livre-comércio negociado entre o Mercosul e a União Europeia, mas a França é justamente um dos maiores opositores. Se aos agricultores franceses, Paris diz que não aprovará o tratado, mas com figuras internacionais se mostra mais flexível, Lula quer convencer aquele que o recebeu naquele ano com pompas de chefe de Estado a abrir mão de seu poder de veto e mudar de posição.

Uma agenda hiperativa, ambiciosa, difícil como nunca antes desde o golpe.