Por Leonardo Sakamoto
De olho em 2026, Lula vai a Itaquera, neste sábado (16), bairro de São Paulo que abriga a arena do Corinthians, dar um pontapé inicial tanto nas obras da Copa do Povo, conjunto habitacional fruto de luta do MTST, quanto em sua participação na pré-campanha do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) à Prefeitura da capital paulista.
Ambos vão participar de solenidade de assinatura do contrato de início das obras do empreendimento, que faz parte do Minha Casa, Minha Vida – Entidades. Nessa modalidade, famílias com renda de até dois salários mínimos, organizadas através de organizações e movimentos sociais, assumem a produção das próprias unidades habitacionais.
Há muitos simbolismos envolvidos. O primeiro é que Itaquera, na zona leste, um dos centros periféricos da capital, é um bairro-pêndulo, ora votando com a esquerda, ora com a direita. Nas últimas duas décadas, foram quatro vitórias para a esquerda e duas para a direita. Em 2002, Lula venceu Serra; em 2006, Lula venceu Alckmin; em 2010, Dilma venceu Serra; em 2014, Dilma venceu Aécio; em 2018, Bolsonaro venceu Haddad; em 2022, Lula venceu Bolsonaro.
Qualquer politico que queira se (re)eleger em 2026 precisará encontrar a fórmula para conquistar voto em locais como Itaquera. Ainda mais em um país em que a ultrapolarização cristalizou posicionamentos políticos em determinadas regiões e grupos sociais, reduzindo as regiões realmente em disputa.
A visita de Lula visa a deixar claro que Boulos agora é o PT em São Paulo. Por quê? Em 2022, o presidente teve 53,5% dos votos na capital paulista, enquanto Bolsonaro recebeu 46,5%. A votação de Haddad acompanhou a de Lula, registrando 54,4% em São Paulo frente a 45,5% de Tarcísio de Freitas, hoje governador, que colou em Jair.
No último levantamento do Datafolha sobre a corrida eleitoral na capital paulista, em 31 de agosto, Boulos tinha 32% das intenções de voto, seguido pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), com 24%, Tabata Amaral (PSB), 11%, e Kim Kataguiri (União Brasil), 8%. A margem de erro era de três pontos. Ou seja, Lula ainda tem uma margem para transferir muitos dos votos depositados nele e no PT para o apadrinhado.
Até porque Boulos perdeu, em 2020, em bairros que Lula ganhou: Bruno Covas venceu Boulos em 50 das 58 zonas eleitorais, inclusive em Itaquera e outras regiões periféricas. Já Lula venceu em 35 e Bolsonaro, em 23.
Além disso, tem a Copa do Povo.
A maioria dos presentes na abertura da Copa do Mundo de futebol, no dia 12 de junho de 2014, em São Paulo, não imaginava que, ao lado do estádio, 4 mil famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) haviam ocupado, um mês antes, um grande terreno perto dali. E que tinham resistido até que o governo aceitasse desapropriar a área, sem uso por longos 20 anos, destinando-a à construção de unidades habitacionais.
Milhares de integrantes do MTST e apoiadores marcharam por ruas e avenidas da capital entre maio e junho daquele ano em meio à campanha “Copa Sem Povo, tô na Rua de Novo”. Cobravam reforma urbana e moradia, criticando os bilionários gastos públicos com o evento esportivo.
“Imagina quantas casas não dava para fazer com o dinheiro dessa ponte?”, disse Boulos, coordenador nacional do MTST, em frente à ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira em 22 de maio. Lula era o grande patrocinador daquela Copa, que acabou sendo um sucesso de público, sete vezes um fracasso no futebol, mas deixou um legado questionável sobre as grandes obras e seus gastos.
O MTST acabou se tornando um dos movimentos sociais com maior capacidade de mobilização no país, tendo sido o principal responsável pela multidão que foi abraçar Lula antes de ele se entregar à Polícia Federal para cumprir os 580 dias de prisão em Curitiba determinados pela Lava Jato. Também estava presente quando ele foi solto e atuou fortemente em sua eleição para um terceiro mandato presidencial.
Lula e Boulos se aproximaram muito nos últimos anos, sendo o deputado apontado como um dos herdeiros do lulismo por conta de sua trajetória construída na base popular e, claro, de sua oratória.
Contar com um aliado próximo à frente da cidade mais populosa do país, com um orçamento maior que todas as unidades da federação, com exceção de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, é uma mão na roda para qualquer candidato à eleição ou reeleição à Presidência da Republica.
Boulos abriu mão de concorrer ao governo de São Paulo para apoiar Fernando Haddad, no ano passado. Em troca, o PT embarcaria em sua candidatura à Prefeitura em 2024. Agora, ao despejar apoio sobre Boulos, Lula não está lhe fazendo um favor ou retribuindo um favor, mas ajudando a si mesmo ou, eventualmente, a qualquer um que ele resolva ungir para ser seu sucessor.
A principal pauta de Boulos, o direito à moradia, é uma das principais preocupações de uma São Paulo que cresce à base de favelas que queimam de forma “espontânea”, da gentrificação que empurra a classe média para a periferia e os pobres, para fora da cidade, de especulação imobiliária que aceita baratas e ratos como residentes de imóveis fechados, mas gente não.
O prefeito Ricardo Nunes contra-ataca com asfaltamento de centenas de quilômetros de vias públicas, congelamento do preço da passagem e, principalmente, com tarifa zero de ônibus aos domingos.
Não é à toa que o evento deste sábado ocorre logo após o prefeito trazer a público aquela que será vendida como a marca de sua gestão, as catracas livres no dia descanso. Falta saber quanto vai custar ao prefeito ter Bolsonaro como padrinho da mesma forma que Boulos já tem Lula.
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Publicado originalmente em UOL