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POR SOFIA NEVES
Depois de anunciado no fim de 2018 (e testado passado um ano), entra este sábado em vigor aquilo que o Governo do Luxemburgo apelida de primeiro sistema de transportes públicos grátis do mundo. A verdade é que algumas cidades mundiais, como Dunquerque, no norte da França, ou Cascais, já vêm a implementar procedimentos deste tipo ou a impor medidas como a proibição de circulação de carro nos centros urbanos acção que, no fundo, acaba por ter o mesmo objectivo que o plano do Executivo luxemburguês. No entanto, este sistema destaca-se dos restantes pois é o primeiro a ser aplicado a nível nacional.
Há vários anos que o sistema andava a ser estudado, discutido e preparado. O Governo do Luxemburgo ambicionava tornar o país na primeira nação do mundo a abolir os transportes colectivos pagos, desde o comboio ao autocarro. E este é um dos passos mais importantes dados pelo Executivo para incentivar a mobilidade sustentável, já que a cidade do Luxemburgo sofre de uma das piores crises de congestionamento rodoviário do mundo.
De acordo com o Índice de Tráfego Global da empresa de análise de dados INRIX, quem conduziu na capital luxemburguesa em 2017 passou em média 28 horas preso no trânsito. Ainda que este valor tenha caído em comparação com 2016 (nesse ano, os condutores fizeram-no durante 33 horas) ainda coloca a cidade do Luxemburgo em 15º lugar no que toca a locais onde os condutores passam mais tempo dentro do carro nas horas de ponta.
Além da circulação gratuita dentro do país, os bilhetes dos autocarros e comboios que cruzam as fronteiras são, a partir deste sábado, mais baratos. Na capital do país vivem cerca 110 mil pessoas, mas outras 400 mil deslocam-se diariamente para a cidade, vindas não só de outras zonas do país como também das vizinhas França, Bélgica e Alemanha — destes países chegam diariamente 175 mil pessoas a uma nação com uma população total de 602 mil habitantes.
O certo é que a medida vai beneficiar não só residentes e trabalhadores, mas também os cerca de 1,2 milhões de turistas que o país recebe por ano. As máquinas de bilhetes serão retiradas de forma gradual, mas os pontos de venda de bilhetes internacionais e de certos ingressos “especiais” vão manter-se. A única excepção do programa são os bilhetes de primeira classe nos comboios, assim como certos serviços de autocarros “a pedido”, que continuarão a ser pagos.
O acesso gratuito é apoiado pelo sindicato dos transportes (que tem cerca de 5000 membros) Fncttfel-Landesverband. “Os tempos de viagem devem ser competitivos em relação ao carro”, ressalva, contudo, o secretário-geral, Georges Melchers. Já o Movimento Ecológico diz que não faz questão na gratuitidade do transporte público. “Para nós, a qualidade da oferta é o ponto crucial para tornar o transporte público mais atraente, e não o facto de ser gratuito. Nos horários de pico, as capacidades esgotam-se”, salienta o presidente da associação ambiental, Blanche Weber.
Segundo as estatísticas oficiais do país, nas últimas quatro décadas a população do Luxemburgo aumentou em quase 240 mil pessoas, enquanto a mão-de-obra activa passou de 161 mil pessoas em 1998 para 427 mil pessoas em 2018 — muito graças aos trabalhadores que se deslocam diariamente dos países vizinhos.
Como consequência do aumento destes dois factores, o Grão-Ducado possuía em 2017 o maior número de automóveis por habitante na União Europeia (incluindo carros de trabalho registados no país e usados por trabalhadores transfronteiriços não residentes) — com 670 carros por cada mil habitantes. Além disso, mais de 60% dos cidadãos usavam os seus carros para chegar ao trabalho e apenas 19% usavam os transportes públicos.
Ainda assim, e segundo afirmou no início de 2019 o ministro da Mobilidade e Obras Públicas do Luxemburgo, François Bausch, à BBC, reduzir o congestionamento e contribuir para a resolução dos problemas ambientais não são os principais pesos na balança da iniciativa. “É uma medida principalmente social. O objectivo é acabar com o aumento do fosso entre ricos e pobres. Para as pessoas com baixos rendimentos as despesas dos transportes são importantes. É mais fácil torná-los grátis para todos”, disse.
Para colocar o sistema em prática, o Executivo planeia investir em infra-estruturas de transporte e na nova estratégia de mobilidade aprovada em Maio de 2018. Entre outras medidas, a Modu 2.0 prevê que a rede de transportes públicos seja utilizada por mais 20% da população até 2025, o aumento da taxa de ocupação média dos carros e a redução do congestionamento na hora de ponta. Melhorar as ligações transfronteiriças e criar novas plataformas para ligar autocarros e comboios será outra das grandes metas.
François Bausch disse à BBC que os custos de implementação da rede gratuita serão “mínimos”, já que a receita anual dos bilhetes cobre menos de 10% (41 milhões de euros) dos custos operacionais do sistema de transportes (cerca de 491 milhões de euros). Não é a primeira vez que o país toma medidas na área dos transportes públicos para reduzir a pegada ecológica: a maior parte dos passageiros já podem viajar por quase todo o país e pagar apenas 2 euros por uma viagem de duas horas.