“Madiba sou eu”: uma entrevista exclusiva com o ator que interpreta Mandela em novo filme

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:04

 

Esta entrevista ocorreu em Toronto, onde Idris Elba participava do Festival de Cinema Internacional. Mandela morreria dias depois, no momento em que Elba assistia a premiére na Inglaterra de seu novo filme “Mandela: A Longa Caminhada para a Liberdade”.

“Interpretar Nelson Mandela é um pouco como brincar de Deus”, disse-me ele.”Eu não posso imaginar como Mandela se sentiu depois de ter sido libertado da prisão, mas este comentário que ele fez sempre ficou na minha mente: ‘Eu odiava meus carcereiros, até perceber que se eu continuasse a odiá-los eu ainda estaria na prisão. Então eu tive que deixá-los partir’. Para mim, aquilo explica como Mandela teve a serenidade e a calma necessárias para construir uma nova África do Sul de forma pacífica”.

Elba, cujo pai nasceu em Serra Leoa e a mãe em Gana, passou a última década tentando deixar sua marca nos EUA. Tendo trabalhado como DJ desde os 14 anos, atingiu um bom momento ao lado de  Jay- Z em seu álbum “American Gangster” ( 2007), vagamente inspirado no filme de Ridley Scott com o mesmo nome.

Como ator, fez o recente “Círculo de Fogo”, “Obssesed” (co- estrelado por Beyoncé) e “Thor”. Na Inglaterra, é o detetive “Luther” da ótima série policial homônima. Com o filme sobre Mandela, foi cotado para o Oscar.

Qual a sensação de interpretar Nelson Mandela?

Eu estou muito, muito orgulhoso do papel. Eu não consigo expressar em palavras… Ele sempre foi essa figura incrível, inspiradora. Sua influência não pode ser medida. Venho atuando há 20 anos e este é o papel de uma vida.

Morgan Freeman, Denzel Washington — essas pessoas tiveram performances maciças desta natureza, mas eu não me sinto digno disso. Essa é a verdade. Demorei duas ou três semanas para responder ao convite do estúdio.

Mas como eu poderia recusar a oportunidade de encarnar Nelson Mandela? Então recebi um email de Zindzi, filha de Mandela, que apenas dizia: “Estamos emocionados.Meu pai e eu estamos emocionados”.

Você o conheceu?

Não, ele estava bastante doente. Mas eu conheci alguns membros da família, embora tenha evitado saber de muitos detalhes pessoais. Acho que você precisa de alguma liberdade para conseguir transcender todos os aspectos diários do personagem e dar a ele a dimensão de mito. Não existe uma honra maior para um ator negro.

Você estava preocupado em interpretar uma figura tão icônica?

Sim. Especialmente porque eu não pareço com ele e pode-se argumentar que sou muito jovem e não experiente o suficiente. Sou essencialmente um ator de televisão que tinha feito alguns filmes.

Você sabe se Mandela viu o filme?

Sim. Sua filha me contou. Mandela olhou para o jeito como eu vestia a camisa, como o ele fazia, e disse: “Como ele consegue fazer isso?”  Quando essa mensagem foi passada para mim, eu chorei. Tive sua aprovação! Depois disso, não importava o que ninguém dissesse sobre minha atuação. Se eu consegui convencer o próprio homem, é suficiente para mim.

Você visitou Robben Island, a prisão onde Mandela passou a maior parte de seus 27 anos de prisão na África do Sul?

Passei uma noite na prisão. Lembro-me da guarda (parte da prisão ainda está funcionando) e estava muito nervoso sobre o fato de me trancar lá dentro. Eu tive que realmente me acalmar pra caralho. Levei um telefone e, se quisesse sair, eu poderia. Eu não pude dormir na cela dele porque ela hoje é parte do museu. Fiquei numa ala para a qual Mandela foi enviado algumas vezes. Foi horrível. Foi revoltante. Uma das noites mais difíceis da minha vida porque o lugar carrega esses demônios.

Mas passar a noite na cela me ajudou a entender  o que ele passou. Eu estive lá apenas uma noite, mas tive a sensação do que é ter sua liberdade arrancada. E em um lugar que não é muito agradável. Me deixou com raiva. Enquanto eu estava lá, eu estava com raiva. De qualquer maneira, quando fui usar o celular na manhã seguinte, vi que não adiantaria nada. Não há sinal.

Quais foram as cenas mais angustiantes?

Alguns dos momentos mais difíceis foram as cenas em que os atores brancos exibiam a brutalidade foi infligida a Mandela.Eu pude ver em seus rostos que eles odiavam aquelas cenas e estavam hesitantes em ir tão longe quanto precisavam. Mas eu lhes disse que precisavam desenterrar seu racismo profundo e usá-lo nessas cenas. Eu precisava da intensidade deles para melhorar meu próprio desempenho.

Espero que o filme ajude a manter o legado de Nelson Mandela vivo e reforce seus ideais. Ele é um ser humano único. Mandela sacrificou sua vida para conquistar o que nós temos agora. Também espero que os jovens vejam este filme e compreendam a enormidade da luta de Mandela e a beleza de sua visão. As pessoas devem ver que Mandela foi um farol. Você e eu podemos realmente fazer diferença no mundo e trazermos a mudança.