O lutador, que tem Alzheimer, já havia perdido a luta para um “esporte” anacrônico e brutal como a briga de galo.
José Adilson Rodrigues dos Santos, o Maguila, teve alta depois de 21 dias internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Aos 54 anos, Maguila estava apresentando surtos de agressividade. Sofre de Mal de Alzheimer, causado por mais de três décadas de golpes na cabeça. O Alzheimer foi uma evolução da chamada “demência pugilística”, uma doença degenerativa do sistema nervoso que afeta boxeadores e foi diagnosticada pela primeira vez em 1928. Costuma se manifestar anos após os atletas pararem.
Maguila se aposentou em 2000 com um cartel de 77 vitórias, 61 delas por nocaute, em 85 lutas. Gravou um CD de samba e tentou se eleger deputado federal. Atualmente, estava cuidando de uma ONG com a mulher, Irany. Nos anos 80, e início dos 90, ele foi uma atração. Apadrinhado pelo locutor Luciano do Valle, que o contratou para sua agência de esportes, Maguila teve seu ponto alto em 1989, quando enfrentou, em Las Vegas, o aspirante ao título Evander Holyfield. Todo o mundo que achava Maguila uma piada, e não era pouca gente, assistiu. Se ele ganhasse, seria um dos maiores brasileiros vivos. Se perdesse, voltaria a não ser levado a sério. Caiu no segundo assalto, tendo espasmos no chão. Pouco mais tarde, seria abandonado por Luciano do Valle.
Maguila prosseguiu fazendo a única coisa que sabia: boxear. Chegou a ganhar um título mundial em 1995 de uma das 300 federações inexpressivas que existem. Virou uma figurinha meio pop. Seu bordão para um anúncio (“Essa é muitcho resistentchi”) pegou. Mas ele pagou o preço de uma atividade, no mínimo, anacrônica — tão anacrônica quanto as touradas, os rodeios, as brigas de galo e os discos de Caetano Veloso. Não há sentido em um esporte com esse grau de violência no mundo de hoje. Até o UFC, com a brutalidade plástica de seus chutes rodados, voadoras e chaves de perna, é mais, digamos, “inteligente”: são no máximo cinco rounds e o juiz interrompe se achar que um dos lutadores não tem condições de continuar. Nunca houve um óbito.
Cerca de 1200 boxeadores já pereceram no ringue de boxe. Sugar Ray Leonard é um dos que mataram seu oponente. Quatro entre cinco desenvolvem uma doença mental. O caso mais eloquente é o do grande Muhammad Ali. Eu encontrei Ali uma vez, em Chicago. Ele estava autografando uma biografia numa livraria. Peguei uma fila e entreguei-lhe o volume. Sentado numa bancada, o gigante Ali não podia falar e não se mexia. Seu autógrafo estava num post-it, escrito por outra pessoa, que um assessor colava na página 3. Era muito, muito triste.
Sim, eu gostava de boxe. Hemingway e Norman Mailer dedicaram seu enorme talento a dar ao pugilismo uma altura que ele não tem. Uma exaltação à macheza e a um suposto estoicismo, deixando de lado a covardia. Há filmes incríveis sobre boxe, de Rocky a Touro Indomável, passando por O Invencível, com Kirk Douglas.
Mas qual a graça em ver dois sujeitos se batendo e sangrando, enquanto os playboys na plateia sacodem as joias e os bookmakers apostam? Joyce Carol Oates escreveu num belo ensaio que o boxe é “o homem in extremis, numa ritual atávico. Assistir o boxe detidamente, e seriamente, é arriscar momentos do que pode ser chamado pânico animal – uma sensação de que não apenas algo horrível vai acontecer, mas que você é cúmplice. Uma repugnância além da linguagem. Antes de mais nada, talvez, um ódio por si mesmo”.
Maguila não é um super homem, não é herói — e nem vítima. Ele já tinha perdido a luta para um esporte brutal, que alimenta uma indústria do século passado, com uma longa lista de mortos e feridos, e que deveria ter sido banido há algum tempo.