Publicado no Facebook de Luis Felipe Miguel, professor da UnB.
O governo Sarney terminou de fato em 21 de novembro de 1986, quando foi lançado o Plano Cruzado II – que, seis dias após as eleições, abolia o congelamento de preços que havia dado ao partido do presidente, o PMDB, uma vitória avassaladora. Depois disso, Sarney se arrastou na presidência, apoiando-se sobretudo nos chefes militares e deixando o país sem rumo.
Com o governo em frangalhos, as eleições de 1989 apareciam como um grande risco para os grupos conservadores. O candidato natural do centro político à presidência, o deputado Ulysses Guimarães, estava inviabilizado por sua associação com a gestão Sarney. O mesmo com o líder do PFL, outro sócio fundador da Nova República, o ex-vice-presidente Aureliano Chaves.
Tornava-se imperativo encontrar o “anti-Brizula”, o candidato que fosse capaz de derrotar as ameaças representadas por Leonel Brizola e por Lula, então líderes das pesquisas de intenção de voto. Com o desgaste do centro, só restaria encontrá-lo em posições mais claramente à direita.
Não faltaram voluntários para o posto; alguns deles, como Guilherme Afif Domingos, chegaram até a disputar a eleição. Mas quem ocupou a vaga, como sabemos, foi Fernando Collor.
Hoje, com os candidatos “naturais” do tucanato se revelando apostas certas para uma derrota, busca-se o “anti-Lula”. Parece que ele será mesmo João Doria, que engoliu seu padrinho com velocidade recorde.
São muitas as semelhanças com Collor: são puros produtos de propaganda, são herdeiros de famílias políticas que se apresentam como outsiders, possuem biografias muito nebulosas (para dizer o mínimo) mas se colocam como paladinos da ética, investem no surrado discurso gerencial e antipolítico para mascarar a opção preferencial pelos ricos, ocultam a incompetência administrativa com jogadas de marketing (confiando na cobertura camarada da mídia), acionam em suas falas uma agressividade fake para promover o discurso do ódio contra a esquerda.
Doria parece, na verdade, um Collor piorado: ainda mais artificial, pior orador, com menos jogo de cintura, mais teleguiado, mais prepotente, ainda mais raso e mais antipático. Mas a elite política brasileira toda piorou de lá para cá.
Marx disse certa vez que a história ocorre como tragédia e se repete como farsa. O Brasil desafia essa percepção. Collor já era uma farsa – e se mostrou uma tragédia. Doria é a mesma coisa. No Brasil, o risco é que as farsas se repitam tragicamente.